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Publicado em: 26 janeiro 2024 às 09:21 | Atualizado em: 26 janeiro 2024 às 09:31

Transnordestina: Bilhões desperdiçados, corrupção persistente e a sombra de um projeto nacional inexistente

Por Douglas Ferreira

Ferrovia Transnordestina visa integrar Piauí, Ceará e Pernambuco aos portos de Pecém e Suape – Foto: Reprodução

Na última terça-feira (23), o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, anunciou a liberação de R$ 811,3 milhões do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE) para a continuidade das obras da ferrovia Transnordestina nos Estados do Piauí, Ceará e Pernambuco. Inicialmente, a notícia parece positiva, principalmente para a região Nordeste, que anseia pela conclusão dessa ferrovia desde os tempos do império, quando foi idealizada pelo imperador Dom Pedro II para integrar o sertão a um porto no Recife.

A Transnordestina, com seus 1.800 km de extensão, iniciou suas obras em 2006, mas apenas metade do trajeto está concluída até o momento. A promessa de integração do sertão nordestino aos portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco, representando um meio de transporte mais econômico, eficiente e seguro, é obscurecida por preocupações relacionadas ao custo da obra e à persistente sombra da corrupção que paira sobre a execução do projeto.

Muitas pontes continuam inacabadas – Foto: Reprodução

Em 2017, o Tribunal de Contas da União – TCU, bloqueou o repasse de recursos públicos à obra, o que levou à sua paralisação. A CSN, controladora da concessão Transnordestina Logística S.A, retomou a construção no fim de 2019, sob pressão do governo federal, que ameaçava decretar a caducidade do contrato.

Ao longo de dezoito anos, a ferrovia já consumiu R$ 7 bilhões, e agora demanda mais R$ 5 bilhões, levantando questões sobre a gestão dos recursos públicos.

A trajetória da Transnordestina é marcada por atrasos, problemas contratuais e, mais recentemente, pela desistência da mineradora Bemisa, do Grupo Opportunity, de construir uma estrada de ferro paralela ao trecho pernambucano inacabado. Essa decisão inviabiliza a solução logística para o trecho entre Salgueiro e Suape, que possui apenas 190 km dos 544 km planejados. A inclusão desse trecho no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) destinará R$ 450 milhões para as obras, mas o governo pernambucano ainda precisa decidir sobre o modelo de contrato, o que adicionará mais atrasos.

Veja a rota da ferrovia saindo de Eliseu Martins até o porto de Pecém no Ceará – Foto: Reprodução

O impasse no trecho pernambucano se soma a uma série de problemas que assolam a Transnordestina, desde disputas entre grandes grupos econômicos até apoio político dos governos cearense e pernambucano. A obra, inicialmente idealizada por Dom Pedro II, em 1847, começou a ser concretizada apenas em 2006, durante o primeiro governo Lula.

O aditivo ao contrato concedido à TSLA, concessionária da Transnordestina controlada pela CSN, durante o governo Bolsonaro, excluiu o ramal Salgueiro/Suape da concessão. Essa mudança de planos ocorreu após a Bemisa anunciar um projeto de R$ 5,7 bilhões para construir uma linha férrea de 710 km, escoando a produção de sua mina de minério de ferro, Currais Novos, no Piauí, para Suape.

A desistência da Bemisa foi oficializada após a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) liberar R$ 811 milhões para as obras do trecho cearense. Segundo a concessionária, 860 km de ferrovia já foram concluídos, mas apenas 190 km estão em Pernambuco, incluindo trechos em processo de devolução à União.

Os problemas conceituais da Transnordestina, apontados por Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, são evidentes. O planejamento apressado desde os anos 2000, a falta de carga suficiente e a ausência de interconexão com ferrovias do Centro-Oeste e Sudeste são fatores que comprometem a viabilidade e importância estratégica da ferrovia.

Para o diretor-executivo da Associação dos Produtores de Soja do Piauí – Aprosoja/PI, Rafael Maschio o projeto da Ferrovia Transnordestina daria aos produtores do Piauí duas opções de portos para a exportação de grãos.

“Mas isso, com a devida adequação dos portos de Suape e Pecém para o transbordo de grãos. Uma infraestrutura específica como o que já existe no Porto de Itaqui, no Maranhão”, explica.

Além disso, Maschio destaca que o carro-chefe da Transnordestina visa mais o transporte de minério.

A inclusão do novo trecho Salgueiro/Suape no PAC é vista como uma tentativa do governo de revitalizar a ferrovia, mas as incertezas sobre a demanda suficiente persistem. O avanço dos portos de Suape e do Pecém é utilizado como justificativa para o investimento na Transnordestina, embora o contexto de autorizações ferroviárias e renovações de concessões indique um cenário que pode acelerar obras, mas não necessariamente conectar a ferrovia a outros troncos de grande porte, como o da região Centro-Oeste.

A falta de um projeto ferroviário nacional, que considere planejamento de longo prazo, modelagem e estudo de demanda, é destacada como uma lacuna que compromete a Transnordestina. A perspectiva de dobrar a matriz ferroviária de cargas até 2035 depende não apenas do investimento em malha ferroviária, mas de uma abordagem mais abrangente que atenda às necessidades nacionais e não apenas regionais.

E quanto à ferrovia Teresina/Luís Correia?

Com a inauguração do “terminal pesqueiro” em Luís Correia e o comprometimento do governador Rafael Fonteles em concluir o Porto Piauí, surge uma importante questão: o que acontecerá com a ferrovia que conecta Teresina ao litoral? Será reativada? Este questionamento é pertinente, uma vez que, com a presença de um porto marítimo, o Estado necessitará de uma linha férrea para facilitar o escoamento da produção destinada à exportação.

A linha já existe, embora esteja desativada. É verdade que alguns trechos, como em determinadas cidades, incluindo Campo Maior, por exemplo, não estão mais presentes, mas a recomposição completa não deve demandar recursos excessivos. Outra questão relevante é: quem seria responsável por essa reativação? O governo do Estado teria a capacidade e os recursos necessários para realizar esse trabalho de reconstituição da ferrovia?

Reativado o trecho Teresina/Luís Correia continua o problema. E a interligação entre Teresina e Elizeu Martins? Esse trajeto precisaria de uma linha férrea nova. Isso sim custa caro.

O fato incontestável é que o Porto Piauí vai além do simples “terminal pesqueiro”. É imprescindível a existência de uma ferrovia para o escoamento eficiente da produção. Aliás, essa reativação já passou da hora.