Por Wagner Albuquerque
O projeto de lei 49/2015 do Senado que cria a Política Nacional do Livro e Regulação de Preços nem terminou de tramitar na Casa e já ganhou outro nome.
Agora é chamado de Lei Cortez, teoricamente em homenagem ao livreiro José Xavier Cortez, fundador da editora que leva seu nome, que faleceu em 2021, e um dos grandes entusiastas do projeto.
Na prática, foi a forma encontrada por empresários do mercado livreiro de fugir do estigma que carrega na memória quem viveu os tempos bicudos dos planos econômicos mirabolantes e as tentativas inócuas de controlar preços.
Mas, seja com o nome que for, o fato é que o projeto, originalmente apresentado pela então senadora e hoje governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT-RN), havia sido arquivado em legislaturas passadas e foi desarquivado por iniciativa da senadora Teresa Leitão (PT-PE), que pretende apresentar seu relatório nas próximas sessões da Comissão de Educação do Senado.
O texto já foi atualizado com base em uma audiência pública realizada no ano passado, após aprovação pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Se não houver pedido de encaminhamento ao plenário, o projeto segue diretamente para a Câmara, onde dependerá de o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), aceitar levá-lo ao plenário, sem necessidade de passar por comissões.
“Há um consenso muito grande em torno desse projeto e o governo tem todo o interesse”, argumenta a senadora, que disse acreditar na rápida tramitação pelo Congresso.
Questionada sobre a mudança estratégica de nome para a lei, ela pondera que havia, sim, “um pouco de precaução de não criar polêmica”. “Porque aqui no Senado, você sabe, qualquer coisa vira fato político de contraposição”, diz.
O trecho que pode gerar polêmica em torno do projeto é justamente seu artigo 1°, que institui uma política nacional de “fixação do preço do livro em todos os seus formatos”, estabelecendo “fixação de preço de venda do livro ao consumidor final” e “fixando preço único para sua comercialização” por todos os meios.
Já o artigo 6º deixa claro que o desconto que pode ser dado pela editora à livraria ou ao consumidor final não poderá exceder 10% do preço fixado pela editora durante 12 meses após seu lançamento.
O potencial de confusão previsto para a tramitação do projeto levou inclusive o presidente da ALN (Associação Nacional dos Livreiros), Alexandre Martins Fontes, a recentemente, durante debate realizado no Sesc em São Paulo, sugerir que se evitasse fazer muita divulgação do tema antes de sua tramitação, cujos detalhes estão sendo finalizados junto à senadora para escapar a expressões com potencial de gatilhos e melindres como o “tabelamento” dos preços que constava na redação original.
Quando lhe foi perguntado se sua orientação não lembraria muito a do então ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, do governo Jair Bolsonaro (PL), que queria aproveitar a ênfase no noticiário da Covid para “passar a boiada” em projetos contrários ao que deveria defender, Martins Fontes definiu a comparação como “maldosa”.
“A reação das pessoas quando escutam qualquer coisa que possa significar controle de preço é dizer que são contra”, reconhece. Mas pondera que o Brasil publica 13 mil títulos novos por ano.
“Ora, na nossa livraria, aqui em São Paulo, temos 200 mil títulos para pronta entrega, ou seja, a lei vai controlar os descontos de 6,5% do total de livros que estão dentro da livraria, e 93,5% não vão ter controle algum”, afirma.
Atualmente, ele conta que os descontos das editoras para as grandes redes chegam a 40%, o que inviabiliza a margem das pequenas livrarias, que não têm o mesmo poder de fogo.
“Leis como essa existem na França e na Espanha há mais de 40 anos, em muitos outros países da Europa, e na Argentina, e o fato é que onde ela vigora o preço final dos livros caiu”, diz.
“Nossa preocupação é que, no mundo de hoje, as pessoas façam uma leitura muito superficial e rápida, e tomem partido sem conhecer exatamente o que está sendo proposto”, afirma.
O presidente do Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), Dante Cid, explica que, pelos números registrados nos últimos anos pelo setor, “se a livraria online já representa mais da metade das vendas de livros no país, a realidade agravou o problema da concorrência, porque a pessoa vai, vê a vitrine, explora os livros, mas na hora de comprar vê que está muito mais barato online e compra assim, prejudicando as livrarias físicas e beneficiando quem não tem o custo que elas têm”.
O mercado cita pesquisas que indicam uma redução média de 24% no preço final dos livros nos países em que a lei vigora. Já no Reino Unido, que teve lei similar mas a revogou, os preços médios subiram 80% logo após seu final.
O domínio absoluto das vendas no país é da Amazon, que deteria cerca de 50% do total, seguida pela Livraria Leitura (12%), maior rede de varejo do setor atualmente.
Os ebooks representam algo entre 5% e 7,5% das vendas, participação similar à da maior parte dos mercados em todo o mundo.
Procurada pela reportagem, a Amazon, principal alvo da Lei Cortez, afirmou por e-mail que não teria nada a acrescentar além do que afirmara à coluna Painel das Letras o presidente da empresa no Brasil, Daniel Mazini, em junho do ano passado.
“A gente fala muito mais de catálogo e velocidade de entrega dentro da Amazon do que de preço”, disse Mazini na época. “A gente não é bem-sucedido por causa do preço, mas por causa da experiência do cliente”, minimizou, acrescentando que se adaptará à regulação que vier.
Já seu concorrente mais próximo, Marcus Teles, da rede Leitura, se declara entusiasta da Lei Cortez. “Em países que não têm uma lei similar, em geral, o preço do livro subiu mais, para compensar o desconto maior para o site dominante, o que é muito ruim para o país”, afirma, sem citar o líder de mercado.
Teles deixa no ar uma pergunta: “Por que grandes players como Saraiva, que quebrou, Cultura, que quase já não vende, e fora do ramo, Americanas e Magalu, pararam de vender livros? Será que alguém não está fazendo algo fora do que seria, digamos, uma concorrência desleal?”
Também procurado pela reportagem para comentar o que acha do projeto, o Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) afirmou apenas que ainda não parou para analisar seu conteúdo.
Como é e como fica se a Lei Cortez for aprovada
Como é
As grandes redes exigem descontos das editoras sobre o preço sugerido dos livros, podendo praticar valor final mais baixo para o consumidor.
As pequenas livrarias não conseguem os mesmos descontos e acabam cobrando preços mais altos do consumidor.
Órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, bem como feiras de livros, podem obter descontos.
Como fica
O desconto de qualquer livro (ficção, didático etc) não poderá exceder 10% do preço fixado pela editora durante 12 meses após seu lançamento.
A partir da segunda edição, o prazo de validade do teto do desconto será reduzido para seis meses. Após esse prazo, a política de descontos fica liberada.
Órgãos públicos federais, estaduais e municipais, e feiras de livros são excluídos da regra geral, podendo obter descontos maiores que o máximo de 10% desde que a compra seja feita diretamente das editoras.
Países que têm lei de controle de preços dos livros
- França – Lei Lang desde 1981
- Alemanha – Lei de 2002
- Argentina – Lei de Defesa da Atividade Livreira de 2001
- Áustria – Lei desde 2000
- Espanha – Lei de 2007 substituindo lei de 1975
- Grécia – Lei desde 1997
- Itália – Lei desde 2005 com desconto máximo autorizado 10% a 15%
- México – Lei desde 2008
- Portugal – Lei desde 1996 com desconto máximo de 10% e 20% (para bibliotecas)
Fonte: Wikipédia