Existe um sentimento generalizado de preocupação entre toda a população de Teresina-PI, especialmente entre aqueles que frequentam e trabalham e empreendem no centro da cidade, sobre uma realidade sombria que parece afetar essa área. Esse núcleo urbano, outrora vibrante, agora se apresenta com características de abandono: ruas sujas, edificações deterioradas, e um sentimento de insegurança exacerbado pela falta de policiamento eficaz. Essa área, que deveria ser o espelho da vida urbana, reflete agora a imagem de um destino inespecífico.
O cenário é desolador e se repete em várias cidades: imóveis que poderiam servir à comunidade, jazem vazios e se deteriorando. O espanto e a incompreensão são sentimentos comuns entre os cidadãos, que veem o potencial desses espaços serem desperdiçados dia após dia. A perplexidade aumenta quando se observa a legislação patrimonial vigente, que, embora criada para proteger e preservar, muitas vezes se torna um empecilho para a revitalização efetiva desses espaços, emaranhados em burocracias e restrições que desestimulam investimentos.
Na tentativa de reverter essa realidade é necessário que o governo municipal adote uma postura proativa e inovadora, inspirada em teóricos urbanos como Jan Gehl e Jane Jacobs, que sempre valorizaram a interação humana e a escalada da vida nas cidades. Uma das primeiras medidas poderia ser a implementação de incentivos fiscais para proprietários que optem por reformar e ocupar imóveis ociosos. Ações como essas poderiam revitalizar os prédios, trazendo-os de volta ao mercado e à vivência urbana.
Além disso, uma revisão da legislação de patrimônio é essencial, tornando-a facilitadora da preservação e da adaptação criativa dos edifícios históricos às necessidades contemporâneas. Isso significa flexibilizar certas normas para permitir que a conservação do patrimônio possa caminhar lado a lado com a inovação e o uso prático dos espaços.
A segurança pública também precisa ser revigorada, com uma polícia comunitária que conheça as nuances do bairro e seja capaz de criar laços com os moradores e comerciantes, promovendo uma atmosfera de confiança e respeito mútuo. Essa abordagem mais próxima e personalizada é fundamental para entregar a sensação de pertencimento e cuidado com o espaço público.
Uma política de limpeza urbana eficaz, associada a campanhas de conscientização, também faz parte da transformação necessária. Ruas limpas e bem cuidadas não apenas promovem o bem-estar como incentivam a ocupação dessas áreas por pedestres e novas atividades comerciais.
Outro ponto vital é o incentivo à habitação no centro da cidade, combatendo a tendência de esvaziamento noturno nessas áreas. Isso pode ser alcançado por meio de políticas habitacionais que promovam uma mistura de usos e uma densidade demográfica sustentável, trazendo vida e vigilância natural a todo o momento.
Por fim, uma estratégia de reabilitação deve envolver a população local e os específicos órgãos de patrimônio e da prefeitura na revitalização do centro. Workshops, fóruns e consultas públicas podem captar as aspirações dos cidadãos e tecer uma visão coletiva para o futuro da área. Ao incorporar essas vozes no processo de planejamento, cria-se um sentido de propriedade e compromisso com o renascimento do coração da cidade.
É com essa compreensão multidimensional e esse conjunto de ações que não poderemos apenas resgatar as áreas centrais degradadas, mas transformá-las em locais prósperos, seguros e convidativos, onde a herança cultural e a vida urbana moderna convivam em harmonia.
Como urbanista, observo com entusiasmo as transformações que cidades como Recife, Salvador e São Luís e Belo Horizonte, para citar exemplos próximos a nós, geograficamente, têm implementado em seus centros urbanos. Essas cidades, ricas em história e cultura, enfrentaram problemas semelhantes aos mencionados anteriormente: decadência de prédios históricos, insegurança e o abandono dos espaços urbanos. No entanto, por meio de estratégias abrangentes, elas estão conseguindo reverter essa situação e são hoje exemplos de revitalização e de vitalidade econômica.
Em Recife, o projeto de revitalização do Bairro do Recife, também conhecido como Recife Antigo, concentrou-se em restaurar o charme moderno dos edifícios coloniais, ao mesmo tempo em que incentivava a instalação de empresas de tecnologia e serviços. Essa abordagem de criar um polo tecnológico no coração histórico da cidade não apenas preservou o patrimônio especializado, mas também trouxe uma nova dinâmica econômica para a área com cafés, ateliês, espaços de coworking e uma vida cultural efervescente. Recentemente a Prefeitura de Recife, dando continuidade a essa requalificação da área central, lançou o Plano “Recentro na rota do futuro”, um plano de ação nos mesmos moldes do que foi realizado na administração municipal anterior, em Teresina, e que tem por objetivo definir novas estratégias que deem continuidade ao processo de reabilitação do centro visando o dinamismo econômico, ambiental e patrimonial da área central da capital pernambucana.
Salvador, com seu famoso Pelourinho, lançou o desafio de revitalizar uma área que é Patrimônio Mundial da UNESCO. Aqui, a abordagem foi cuidadosamente equilibrada entre a preservação e a necessidade de inserção social e econômica dos residentes locais. Projetos de restauração acompanhados por programas de habitação e incentivo à economia criativa transformaram o Pelourinho em um ponto de encontro repleto de atividades culturais, turismo e comércio local, resgatando sua vivacidade histórica.
São Luís, com o seu Centro Histórico igualmente reconhecido pela UNESCO, propôs medidas para combater o estado de abandono de suas antigas edificações. Através de parcerias público-privadas e incentivos fiscais, houve uma renovação física e funcional de muitos prédios, promovendo uma mistura de usos residenciais, comerciais e culturais. Isso não apenas restaurou a beleza arquitetônica da cidade, mas também reacendeu o espírito comunitário e a economia local.
O sucesso dessas cidades pode ser atribuído a algumas estratégias-chave:
- Estímulo a propriedades privadas para reformar e manter prédios históricos, mesclando usos residenciais e comerciais.
- Apoio às indústrias que valorizam a cultura local, como artes, artesanato, gastronomia e tecnologia, criando novas oportunidades de emprego e valorizando a identidade cultural.
- Investimento em transporte público, segurança, limpeza e serviços urbanos para aumentar a qualidade de vida e atratividade das áreas centrais.
- Envolvimento dos residentes e comerciantes locais em todas as fases do processo de planejamento e decisão, garantindo que as mudanças atendam às suas necessidades e aspirações.
- Desenvolvimento de políticas que incentivam a moradia no centro, combatendo a tendência de esvaziamento e promovendo a vigilância natural.
- A revitalização dos centros urbanos não é apenas uma questão de estética ou patrimônio, mas também de resgatar o potencial econômico e a qualidade de vida.
Teresina foi precursora na concepção de estratégias urbanísticas ao desenvolver, em 2018, o plano de ação NovoCentro Teresina. Este plano alinhava-se com as práticas contemporâneas de revitalização urbana, seguindo modelos bem sucedidos de reabilitação de áreas centrais observadas em cidades como Recife e Belo Horizonte, abrangendo iniciativas de preservação patrimonial, estímulo à ocupação residencial, revitalização de espaços públicos e promoção de preservação patrimonial incentivos para a recuperação de imóveis subutilizados. No entanto, apesar da sua visão progressista e do potencial para transformar significativamente a vivência no coração da cidade, o plano não foi priorizado pela nova gestão municipal, evidenciando um descompasso entre a continuidade das políticas urbanas e a transição administrativa, o que sublinha a importância da persistência de visão e de compromisso com o planejamento a longo prazo na governança urbana.