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Publicado em: 29 junho 2024 às 09:24 | Atualizado em: 29 junho 2024 às 09:26

Niéde Guidon: A arqueóloga que mudou a pré-história da Serra da Capivara é imortalizada em nova espécie de ave típica da caatinga

Por Douglas Ferreira com informações G1

Ninguém estudou e pesquisou mais a pré-história e seus desdobramentos na Serra da Capivara do que a arqueóloga paulista Dra. Niéde Guidon. Ao conhecer o Piauí em 1970, ela se apaixonou pela região, fixou residência e, desde então, empreendeu uma luta pela pesquisa e preservação da Serra da Capivara, no Sul do Piauí. Dra. Niéde elevou e levou o bioma Caatinga para o Brasil e o mundo.

Guidon veio, viu e venceu. Suas pesquisas despertaram a atenção e o interesse de cientistas e pesquisadores do mundo todo. A professora Niéde ajudou a transformar a Serra da Capivara em um Parque Nacional, fundou o Museu do Homem Americano e converteu caçadores em preservadores e guias turísticos, promovendo uma mudança de mentalidade que vem auxiliando na preservação da área.

Todo esse trabalho já virou documentário, livros e reportagens tanto na mídia brasileira quanto internacional. Agora, ele é eternizado com uma homenagem justa e única: Niéde Guidon dá nome a uma nova espécie de pássaro típica da região.

A arqueóloga foi homenageada com o nome de uma nova espécie de ave catalogada em um artigo recente, a Sakesphoroides niedeguidonae. Anteriormente, o pássaro estava classificado na classe das chocas-do-nordeste (Sakesphoroides cristatus), mas pesquisadores descobriram que, devido a alterações no curso do Rio São Francisco, as aves tornaram-se duas espécies distintas.

Ao voar em 1970 da França, onde estudava na Sorbonne, para São Raimundo Nonato, no Piauí, Niéde Guidon jamais imaginou que um dia daria nome a uma “avis rara” – Foto: Reprodução

O estudo analisou 1.079 aves, incluindo 92 exemplares preservados em museus, 987 fotografias digitais, 115 gravações sonoras e 58 amostras de material genético. Entre as aves estudadas, está uma fêmea adulta de niedeguidonae encontrada na Serra Vermelha, outro parque localizado no entorno do Parque Nacional Serra da Capivara, na região de São Raimundo Nonato, a 521 km ao Sul de Teresina.

No artigo publicado no último dia 17, foi destacado que o Rio São Francisco tem papel importante na evolução das aves no domínio da Caatinga. Conforme a pesquisa, alterações no curso do rio ao longo dos anos podem ter causado a distinção entre as espécies de choca (Sakesphoroides).

Em trecho do estudo, os pesquisadores apontam que “a mudança no curso do rio e o grande ambiente pantanoso na área de Remanso e Petrolina poderiam ter desempenhado um papel no isolamento do ancestral de S. cristatus e S. niedeguidonae em duas populações”.

Além disso, os pesquisadores apontam que oscilações climáticas ocorridas ao longo de um milhão de anos também possuem papel na divisão das espécies.

Entre as diferenças listadas, a pesquisa identificou dois padrões diferentes de canto entre as aves e diferenças na plumagem das fêmeas. Em relação às análises filogenéticas, os pássaros apresentam uma distância genética de 1,8% (com erro padrão de ± 0,3%).

Pablo Cerqueira, um dos pesquisadores, explicou que o trabalho surgiu durante a execução do seu projeto de doutorado, que investigava o histórico evolutivo da Caatinga.


“Durante as nossas análises, percebi primeiramente que fêmeas da espécie possuíam características diferentes em locais distintos da Caatinga. Verifiquei que fêmeas que ocorriam mais ao norte da Caatinga possuíam coloração mais clara e a cauda com barras brancas e escuras, enquanto fêmeas que ocorriam ao sul da Caatinga tinham coloração mais escura e sem as barras na cauda”, declarou o pesquisador.


O artigo “Uma nova choca (Aves: Thamnophilidae) endêmica da Caatinga e o papel das oscilações climáticas e da mudança de drenagem na formação da diversidade críptica das florestas secas sazonais neotropicais” foi desenvolvido pelos pesquisadores Alexandre Aleixo, Pablo Cerqueira, Gabriela Gonçalves, Tânia Quaresma, Marcelo Silva e Mauro Pichorim. Dois dos pesquisadores, Pablo Cerqueira e Gabriela Gonçalves, são piauienses.

Como a espécie ainda não havia sido descrita, os pesquisadores nomearam-na Sakesphoroides niedeguidonae, em homenagem à arqueóloga e professora Niéde Guidon.


“Quando uma espécie nova é encontrada, precisamos dar um nome a ela, e nossa escolha foi homenagear a paleontóloga Niéde. Ela é um símbolo de poder e persistência na preservação do ambiente da Caatinga e tem levado para o mundo o nome da Serra da Capivara, do Piauí, da vegetação e culturas únicas que estão na Caatinga. Uma homenagem para uma pesquisadora que nos inspira e que representa nossas origens”, concluiu o ornitólogo.


Em 1970, Niéde Guidon, então professora na França, veio ao Piauí em missão para conhecer as pinturas rupestres em São Raimundo Nonato. A jovem pesquisadora fez uma das maiores descobertas arqueológicas ao encontrar desenhos datados de cerca de 30 mil anos. Seus achados indicam a presença do homem americano anterior à teoria do Estreito de Bering, que data o povoamento das Américas pelo Homo sapiens vindo da Ásia em 13 mil anos.


“Eu cheguei em São Raimundo Nonato e perguntei a algumas pessoas sobre as pinturas nas paredes, e elas me mostraram alguns sítios. Eu vi a importância dessas pinturas completamente diferente de tudo que se conhecia. Fotografei e consegui, na França, uma missão para vir até aqui. Em 1973, eu voltei com uma equipe de alunos e aqui ficamos mais de um mês fazendo o levantamento dessas pinturas e vimos a quantidade impressionante de sítios e a importância da região”, comentou durante posse na Academia Piauiense de Letras (APL), em 2020.


Em 1978, as pesquisas de Niéde despertaram o interesse de biólogos e paleontólogos de todo o mundo, resultando na missão Franco-Brasileira, que tinha o objetivo de estudar a pré-história, o meio ambiente e o meio social da região. Somente em 1979 foi criado o Parque Nacional da Serra da Capivara, e no ano seguinte surgiu a Fundação do Homem Americano para facilitar e financiar as pesquisas na região. Graças às descobertas da arqueóloga, a UNESCO reconheceu o Parque Nacional da Serra da Capivara como Patrimônio Cultural da Humanidade.


“Eu agradeço a todos que me ajudaram durante esses anos com as pesquisas e a criar o Parque Nacional Serra da Capivara”, declarou Niéde.


Hoje adoentada e reclusa pouco dá entrevista, mas a mente brilhante da professora Niéde Guidon continua a pesquisar e produzir material científico.