Por Douglas Ferreira com informações Uol
Tom Jobim cunhou uma frase que, com uma leve adaptação, se transformou em um verdadeiro mantra: “O Brasil não é para principiantes.” Com o passar do tempo, o adjetivo “principiantes” foi substituído por “amadores”, e assim o ditado se popularizou em diversos círculos e segmentos.
E quando se trata de política, essa máxima se encaixa perfeitamente, cai como uma luva. Veja só: qual outro país do mundo tem os três poderes da República mais onerosos do planeta? Qual nação possui um sistema tributário tão complexo que mais parece um manicômio? Em que lugar civilizado do Ocidente se vê tanta corrupção ocorrendo impunemente? E o que dizer da desarticulação de uma operação que, mesmo combatendo a corrupção e levando “figurões” para a cadeia, agora vê juízes e procuradores sendo perseguidos e réus confessos sendo inocentados?
Esse é o Brasil.
Sob o pretexto de baixar os preços e garantir o abastecimento de arroz no país, o governo federal, por meio da Companhia Nacional de Abastecimento – Conab, realizou um leilão que precisou ser anulado após uma reação negativa nas redes sociais e até na mídia, uma vez que, além de ser desnecessário, estava eivado de irregularidades. Um assessor do governo teve que pedir exoneração, ou foi pressionado a isso, por ter um filho envolvido com os ganhadores do certame. No entanto, esse mesmo “secretário” conseguiu emplacar a esposa como assessora da Conab.
Tom Jobim deve estar se revirando no túmulo diante de tantos escândalos.
Mas, isso é o Brasil.
Juliana Geller, assessora da presidência da Conab
Juliana Geller, assessora da presidência da Conab, e o ex-secretário do Ministério da Agricultura Neri Geller, estavam no centro de um escândalo que sacudiu a estrutura governamental. Neri Geller, ex-secretário de Política Agrícola e ex-deputado federal pelo Mato Grosso, foi demitido no rastro do escândalo do leilão do arroz, mas não sem antes garantir que sua esposa fosse nomeada assessora da presidência da Conab, além de emplacar Thiago José dos Santos como diretor de Operações e Abastecimento da empresa pública.
O leilão, realizado por determinação do governo federal, foi anulado devido a fortes, claros e evidentes indícios de fraude, mas será refeito. O objetivo inicial era comprar arroz para conter o aumento de preços resultante das chuvas no Rio Grande do Sul. Só que a Associação dos Arrozeiros garante que não há risco de desabastecimento.
Em meio às investigações na Câmara dos Deputados sobre a compra do arroz importado, Santos saiu de licença remunerada autorizada pelo presidente da Conab, José Edegar Pretto (estranho, não?). Devido ao recesso, Santos não participou de uma audiência sobre o tema na Comissão de Agricultura. Sua diretoria foi responsável pelo leilão, que teve a participação de um amigo pessoal.
A Conab é responsável por toda a política de armazenagem do governo, além de fornecer informações técnicas para embasar decisões políticas voltadas à agricultura. Apesar de estar vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, as nomeações na companhia foram divididas com a pasta da Agricultura em um acordo político. Nessa divisão, Geller, então muito próximo ao ministro Carlos Fávaro, ficou com duas das vagas.
Uma dessas vagas foi para Juliana Vieira Geller, nomeada em abril como assessora da presidência da Conab em regime de contrato especial, com um salário de R$ 15.220,38 (valor bruto). Ela foi nomeada quatro meses antes de seu marido assumir a secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura. Na época, Geller já atuava informalmente como secretário da pasta, aguardando uma decisão da Justiça para a contratação ser publicada.
Procurada pelo Uol, a Conab afirmou que Juliana foi contratada mediante análise de currículo. “A Conab recebeu vários currículos, incluindo o da assessora. Ela foi escolhida pelo perfil para a função que executa na assessoria da presidência”, informou a instituição. A colunista Andreza Matais solicitou o anúncio da vaga de emprego, mas não obteve resposta. O ministério também não respondeu à reportagem do Uol.
Na Conab, o nome de Juliana Geller aparece em atas de reuniões da diretoria-executiva, onde são discutidos temas como leilões, frequentemente participando de reuniões da presidência, inclusive nos dias em que a empresa discutia o leilão do arroz.
Entretanto, a Conab nega que Juliana tenha participado de qualquer reunião que tratasse do leilão do arroz, afirmando que a função como assessora da presidência é “redigir atas”.
O leilão de arroz importado foi anulado pelo governo do presidente Lula da Silva após a imprensa revelar que, entre os vencedores do certame, estavam uma locadora de veículos, uma comerciante de queijos e uma processadora de polpas de frutas. A quem os donos dessas empresas são ligados diretamente? Eis a reposta que vale ‘milhões’.