Move Notícias

Publicado em: 8 fevereiro 2024 às 19:53 | Atualizado em: 9 fevereiro 2024 às 10:25

Litígio entre Piauí e Ceará: O que deve prevalecer o critério da identidade cultural o geográfico?

Por Douglas Ferreira

Decisão do STF deve por fim a essa peleja – Foto: Reprodução

O conflito pelo domínio de uma faixa de terra, na fronteira do Piauí e do Ceará, remonta ao período colonial. Estão em jogo cerca de 3 mil km², envolvendo 13 municípios hoje pertencentes ao Ceará. Depois de mais de um século de disputa na Justiça, o caso está perto de ser resolvido.

Um estudo técnico elaborado pelo Exército brasileiro, a pedido do Supremo Tribunal Federal – STF e pago pelo governo do Piauí, atesta que a área em litígio pertenceria mesmo ao Piauí. Agora, um grupo de trabalho formado por técnicos e entidades cearenses tentam levantar junto aos moradores destes municípios o sentimento de pertencimento deles.

Grupo de Estudos reforça tese do sentimento de pertencimento – Foto: Reprodução

É lógico que, após mais de 100 anos acreditando que suas terras eram cearenses e que sua naturalidade era em solo do território do Ceará, os entrevistados se digam e se sintam cearenses natos. Porém, não é isso que está em questão. O que se discute é a legalidade das terras em seu nascedouro, ou seja, a qual dos dois Estados pertence de fato e de direito a Serra da Ibiapaba, ou pelo menos os oito municípios dos 13 em questão, localizados nela, pertencem efetivamente.

O litígio envolve áreas de 13 municípios cearenses (Carnaubal, Crateús, Croatá, Granja, Guaraciaba do Norte, Ibiapina, Ipaporanga, Ipueiras, Poranga, São Benedito, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará) e três regiões de planejamento do Ceará: Litoral Norte (Granja), Sertão dos Crateús (Crateús, Poranga, Ipaporanga, Ipueiras) Serra da Ibiapaba (Carnaubal, Croatá, Guaraciaba do Norte, Ibiapina, São Benedito, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará).

O caso está no STF sob a tutela da ministra Carmem Lúcia, que deve decidir a peleja, porém não há prazo para ser julgado, embora já devesse ter sido. Afinal, essa ‘pendenga’ se arrasta por mais de um século e precisa ter fim.

A disputa gira em torno da Serra da Ibiapaba – Foto: Reprodução

Quanto mais se demora em julgar do caso, mais o Ceará exerce o seu direito de espernear. Aliás, um gesto que encontra amparo no Direito brasileiro. É chamado “Jus esperneandi”, uma expressão jocosa muito usada no meio jurídico, mas inexistente no latim. O significado da expressão é ‘direito de espernear’ ou ‘direito de reclamar’.

Historiadores e pesquisadores dos dois Estados alegam ter documentos históricos legais que comprovam a jurisdição sobre o território da Serra da Ibiapaba, a região disputada entre os dois Estados.

O que defende o Ceará

O historiador João Bosco Gaspar afirma que há um decreto do século XIX, aprovado na Câmara e no Senado Imperial, definindo as terras a oeste da Serra da Ibiapaba como cearenses. Segundo pesquisadores e políticos cearenses, esse documento leva em consideração a cultura local e afirma que os moradores da divisa se reconhecem como cearenses.

O que defende o Piauí

Conforme o geógrafo Eric de Melo, o Ceará “avançou” em terras piauienses e se apossou do território. A Procuradoria-Geral do Piauí pede no STF que a divisa siga um critério geográfico: a partir da Serra da Ibiapaba, as terras a oeste são do Piauí; e a leste, do Ceará. A Procuradoria pede que o STF reconheça como válido um decreto de 1880 que define a divisa dos Estados conforme esse critério.

A região da Ibiapaba é uma área de forte potencial na geração de energia limpa e no agronegócio. Além disso, possui pontos turísticos exuberantes que recebem milhares de visitantes todos os anos. Na avaliação de políticos e empresários cearenses o Piauí tem interesse econômico na região.

A tese é refutada pelo procurador do Piauí que defende a ação. Luiz Filipe, nega que a intenção seja econômica e diz que o objetivo é fazer o reparo histórico de terra “comprovadamente” piauiense.


“A ação é pautada no interesse jurídico, a indefinição gera uma insegurança jurídica. Se houver repercussão econômica, não é objeto dessa ação. Existem dados geográficos que fundamentam a ação. É uma ação bem embasada com fatos históricos e jurídicos, não é nenhuma ação aventureira”, diz Luiz Filipe.


Se a ação do STF for aceita conforme o estudo do Exército, o Ceará perderia território de 13 cidades, incluindo sete sedes administrativas. O Ceará, por sua vez, afirma que a população da área de litígio é legalmente cearense com base não em critérios geográficos, mas conforme a identidade cultural. Esse critério não deve definir a disputa.