Por Douglas Ferreira
A omissão do Congresso Nacional diante de graves ameaças à democracia, bem como a adoção de políticas que desvirtuam suas funções constitucionais, são questões de extrema gravidade. O papel do Congresso Nacional, como órgão constitucional do poder legislativo federal, é fundamental para a estabilidade e o funcionamento do Estado brasileiro.
Suas principais funções incluem a elaboração e aprovação de leis, a fiscalização do Estado brasileiro, além das funções atípicas de administração e julgamento. No entanto, tem-se observado uma série de práticas que desviam o Congresso de suas responsabilidades constitucionais, como a chamada “emenda de relator” e, mais recentemente, a “emenda pix”.
Essa falta de esclarecimento e o desvio de competência têm sido objeto de questionamento por parte da sociedade civil e da imprensa. Em editorial, o jornal O Globo destaca a preocupação com o desvirtuamento do Congresso e a necessidade de reafirmar sua função primordial na defesa da democracia e na garantia dos direitos dos cidadãos.
É essencial que o Congresso Nacional retome seu papel constitucional, agindo de forma transparente, responsável e em consonância com os interesses da sociedade brasileira. A preservação da democracia e o fortalecimento das instituições democráticas dependem do cumprimento adequado das funções do Congresso Nacional.
Confira o editoral de O Globo:
‘Emendas Pix’ significam mau uso do dinheiro público
Em democracias, a execução do Orçamento é prerrogativa do Executivo, e há bons motivos para isso. Presidentes e governadores têm visão do todo e, sobretudo, mandato para determinar prioridades levando em conta critérios técnicos transparentes. Desde a redemocratização, o Brasil seguiu essa regra pela maior parte do tempo. Em 2014, o Congresso tinha controle sobre 4,65% dos recursos livres no Orçamento da União. Neste ano serão 20%. Só para comparar: são 2,4% nos Estados Unidos, 0,5% em Portugal e 0,1% na França.
Como revelou reportagem do GLOBO, essa deformação da democracia brasileira na esfera federal, agravada no governo Jair Bolsonaro por meio das célebres emendas do relator, contamina também a relação entre governadores e assembleias nos estados. As emendas de deputados estaduais somaram R$ 9,5 bilhões no ano passado, mostra pesquisa realizada pela ONG Transparência Internacional, com apoio da Fundação Konrad Adenauer. O destaque negativo é Minas Gerais, com R$ 2,4 bilhões em emendas, o dobro de São Paulo, segundo colocado.
Minas também foi o primeiro a reproduzir o modelo perverso conhecido como “emenda Pix”: recursos enviados às prefeituras sem necessidade de definir projeto ou critério de acompanhamento. Desde a adoção pelos mineiros em 2019, Alagoas, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina, Sergipe, Amazonas, Mato Grosso, Piauí, São Paulo, Tocantins, Ceará, Goiás, Paraíba, Acre, Maranhão, Pernambuco e Rondônia o reproduziram.
Uma das preocupações apontadas no estudo é o risco de corrupção. Outra é a alocação ineficiente de recursos. Até ser eleito senador por Minas, em 2022, Cleitinho Azevedo (Republicanos) era deputado estadual e enviou, numa única emenda, R$ 4,5 milhões a Divinópolis, cidade governada por seu irmão. “Quando eu era vereador, o que mais se cobrava lá era infraestrutura. Quando virei deputado, falei que faria de tudo para arrumar recursos e pavimentar ruas. Hoje meu irmão é prefeito, mas, se amanhã não for, continuarei mandando”, diz. Cleitinho desconsidera que outros municípios mineiros têm deficiências mais graves ou demandas mais urgentes.
As emendas podem fazer sentido político, por servirem de trampolim aos deputados. Para a população mais necessitada, são um contrassenso. Cidades sem representante específico ficam desamparadas. Mesmo num cenário hipotético em que toda prefeitura ganhasse verba, não seria aconselhável seguir o modelo. O arranjo que permite a deputados beneficiar suas bases sem estudos ou critérios técnicos é um contrato que garante o mau uso do dinheiro público. É absurdo abrir postos de saúde num município com bom atendimento médico, quando há vários outros sem pronto-socorro. A prevenção de desastres e obras de infraestrutura exigem coordenação estadual ou entre prefeituras. Rios e estradas não respeitam limites municipais.
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, faz bem em pedir explicações a Executivo e Legislativo sobre as “emendas Pix”, ainda mais opacas que as emendas do relator, declaradas inconstitucionais. O envio de dinheiro a prefeituras e estados sem definir finalidade incorre, ao que tudo indica, em ilegalidade. Emendas distribuídas sem critério técnico na esfera estadual são tão prejudiciais quanto as federais. A diferença é só de tamanho.