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Publicado em: 26 maio 2024 às 08:00 | Atualizado em: 26 maio 2024 às 10:51

Um dia na vida de uma mãe empreendedora

Os desafios da mulher para conciliar carreira, trabalho e filhos

Por Betina Costa

Empreendedor, você já vivenciou este cenário em sua vida?

Mal dormiu, pensando nos resultados da empresa, na reforma tributária, nos prazos que tem no dia seguinte, e tarefas que estão pendentes. Acorda cedo, e a primeira tarefa é arrumar as crianças e o lanche para a escola e, também, se arrumar para mais um dia de trabalho e reuniões. Na mesa do café, a filha do meio comunica que tem um trabalho na escola que precisa de alguns materiais. O problema é que o trabalho é para ser realizado ainda hoje pela manhã. O marido olha para você, e você já entende que não poderá contar com a ajuda dele, segue e vai deixar as crianças na escola.

Você corre pra chegar cedo na sua empresa, e, assim, adiantar alguns serviços mais urgentes, antes daquela reunião com a equipe e encontrar uma brecha para correr numa loja e comprar o tal material, deixar na escola e retornar. Daí, você lembra de uma outra solução, contactar o grupo de mães na escola e propor uma compra coletiva, enquanto se preocupa com as propostas e contratos que precisa enviar.

No meio da manhã, ligam da escola, da enfermaria, e seu coração já acelera. A enfermeira informa que seu filho caçula torceu o pé, mas não tem luxação. Ligou apenas para informar o ocorrido, mas não precisa pegá-lo. Coração volta ao batimento normal.

No almoço, o filho que torceu o pé está mais enjoado e não quer comer, então, você fica mais um tempo na mesa com ele para garantir que ele se alimente melhor. Todos já se levantaram. Seu marido já está assistindo o jornal. Você lembra que tem alguns avisos da escola para ler, tenta se atualizar com um número infindável de informações, responder alguns grupos de WhatsApp e, ainda, suspira aliviada porque seus filhos estudam numa escola integral, apenas almoçando em casa. Lembra do tempo que sua mãe corria pra lá e pra cá para deixar as filhas nas atividades à tarde fora da escola. Pelo menos, você tem como organizar a sua jornada profissional de forma mais eficiente à tarde.

Descansa 10 minutos e já retoma o movimento de ajeitar as crianças para o segundo turno, preparar lancheiras novamente, mediar a briga entre os irmãos, enquanto isso, o marido toma banho para levar as crianças na escola. À tarde, você lembra da lista do “tem que”: tem que passar no supermercado para comprar alguns itens que estão faltando, definir o agendamento da fono do caçula, pesquisar uma psicóloga pro mais velho, a inscrição da filha numa competição, confirmar a nova diarista para vir no dia seguinte, providenciar fardas extras para as crianças, além dos prazos que tem para a entrega dos projetos que ainda estão pendentes, uma reunião no final da tarde, a academia etc.

De repente, ligam da enfermaria da escola novamente, e informam que o seu filho não quer permanecer para as atividades esportivas porque está sentindo dor no pé. Você liga pro marido para ver se ele pega o menino, mas seu marido está numa reunião. Você para tudo e pega o filho na escola, leva ele pra empresa, sob protestos. Cria uma atividade para ele se distrair. Finaliza algumas pendências, deixa outras para o dia seguinte. Remarca a sua reunião para mais tarde, virtualmente. Adia a academia.

Enquanto isso, o grupo de WhatsApp das mães do filho mais velho está bombando, porque aconteceu um problema na apresentação das crianças, e as mães estão agendando reunião com a escola para conversar a respeito da situação, e querem a sua presença amanhã pela manhã. Logo amanhã, no dia em que tem a diarista nova, que precisa de algumas orientações sobre o funcionamento da casa e atribuições das tarefas a serem executadas, que somente você pode explicar.

À noite, prepara o jantar dos meninos, arruma os itens do supermercado. Pouco antes de colocar os filhos para dormir, você realiza aquela reunião virtual inadiável com sua assessoria e seu filho mais velho reclama que você não sai do celular. Você percebe que ele está ansioso com alguma atividade, e quer atenção, diz que vão já conversar. Termina a reunião, escuta com atenção o filho, conversa e orienta, acalmando suas preocupações. Faz um leite pros filhos, enquanto auxilia os filhos a arrumarem as mochilas para o dia seguinte e coloca todo mundo para escovar os dentes. Deita na cama com eles, e acaba dormindo de exaustão.

Queria saber se em algum momento um empreendedor já passou por tudo isso em um único dia?

Essa é uma jornada “normal” de uma mãe e profissional, que não configura nem 1% dos maiores desafios que as mulheres enfrentam na caminhada de vida. Os imprevistos fazem parte da nossa rotina, assim como os grupos de WhatsApp de mães, acompanhando a agenda e as novidades, os aniversários da turminha, os encontros e saídas, trabalhos e necessidades. Quiçá imaginar tantas outras histórias bem mais complexas do que esse simples relato de um dia na vida de mãe.

Quem fica com os filhos na fase de adaptação na escola? Quem passa noites em branco cuidando do filho? Quem contrata babá, orienta e acompanha constantemente o trabalho? Quem leva o filho na aula extra, no aniversário do amigo, para comprar roupa? Quem se preocupa com o desempenho escolar do filho, a briga na escola, a ocorrência? Quem leva o filho no pediatra? (Aqui em casa, eu e meu marido vamos juntos ou nos alternamos na escola, na saúde, nas atividades). Em quantos lares isso acontece? Quantos pais participam do grupo de mães? Quantos se informam sobre a comunicação da escola? Quantos pais são chamados primeiro para comparecer na escola?

Desenvolvemos flexibilidade, resiliência e criatividade para alinhar trabalho com os cuidados dos filhos, além dos afazeres de casa, e não cair na ansiedade (ou não). Por mais que compartilhemos atribuições com o companheiro, somos as mais demandadas pela escola dos filhos, quando há esquecimento de uma farda, intercorrência de saúde, comunicações em geral. Somos constantemente cobradas para estarmos atentas aos boletins e outras demandas escolares, e os pais são tratados como coadjuvantes.

Não digo que não há homens que assumam essas tarefas, está cada vez mais comum nas novas gerações. Só afirmo que, em sua grande maioria, somos nós mães que acumulamos vários papéis simultaneamente e somos “aplaudidas” (no Dia das Mães) por termos essa capacidade de sermos múltiplas.

Sou casada e meu marido é companheiro, no significado real da palavra, compartilhando a maior parte das atividades do lar. Isso me possibilita oportunidades, atuo com consultoria em gestão de conflitos, sou fundadora do Instituto Consensum, curso um mestrado, sendo mãe de três, um adolescente e duas crianças. Hoje, numa relação a dois, com filhos, quem não se compromete com responsabilidade pela criação e cuidado, age de forma imatura perante a vida. Não consigo mensurar a complexidade do cenário de uma mãe solo.

Daí questiono: será que isso é saudável? Quantas mulheres estão em burnout e são criticadas por serem “fracas”, “frágeis”, “sensíveis demais”?!

Dizer que não há diferenças e disparidades no ambiente de negócios e de trabalho, é desconhecer a realidade da esposa, da amiga, da colega de trabalho, da gerente de sua empresa, da irmã, da cunhada, até mesmo, da própria mãe. A falta de percepção acerca da realidade da grande maioria das mulheres não se configura em mera falta de empatia. Essa constatação simplesmente retrata o preconceito estrutural, que está arraigado na sociedade de maneira tão “normal”, em que é natural haver cegueira.

Escuto histórias de mulheres em vários ambientes e me nutro com a força de seus repertórios, repletos de superação, dores, escolhas difíceis, para estarem firmes em seus papéis profissionais. São reconhecidas profissionalmente nas empresas, mas será que os gestores e líderes conhecem suas histórias?

Precisamos conhecer as histórias por trás dos papéis, para nos conscientizarmos que a responsabilidade pelos cuidados com os filhos não cabe exclusivamente às mulheres. Para compreendermos que se existem políticas de equidade, elas têm uma razão pela falta de educação da sociedade para lidar de forma responsável e respeitosa perante a vida em seus múltiplos lugares e posições.

A nossa sociedade evoluiu em tantos progressos tecnológicos, estamos constantemente nos adaptando a novas realidades no mundo da tecnologia, no entanto, permanecemos analfabetos sociais e emocionais.

A maioria não compreendeu que estamos vivenciando tempos de mudanças inevitáveis não apenas quanto à tecnologia. Nós, mulheres, não vamos retroceder, porque sabemos dos nossos talentos e potencialidades, contribuindo na criação de novas soluções a antigos problemas. Entendo que não há uma resposta certa a cada situação, é impossível gerar satisfação a tantos interesses divergentes com algo determinado por lei, pois cada contexto requer diálogo e negociação.

Podemos colaborar, cada um em seu papel, com percepções diferentes, contribuindo a partir de repertórios de vida singulares. Nós, mulheres, não somos melhores ou piores, e nem devemos impor superioridade a nenhum outro grupo. Somos diferentes, sim.

É a diversidade que propicia inovação.

Você, leitor, leitora, que tem uma história real para contar de um dia na sua vida de pai/mãe, e os desafios em conciliar carreira e trabalho, entra em contato e partilha um pouco comigo pelo Instagram @betinadcosta.