Por Betina Costa
Todas as férias de dezembro, temos feito o mesmo destino com os filhos: Campos do Jordão. Desde que Joaquim tinha quatro anos, hoje com 13, e Catarina era uma bebê (hoje ela tem 8 anos), Campos é nossa escolha para passarmos dias desbravando este destino.
Toda vez, fugimos dos caminhos turísticos para nos aventurar em trilhas na natureza e aproveitar os dias de frio com sol, e, às vezes, chuva, comum nesta época de dezembro e janeiro. O principal local que amamos ir com os filhos pequenos é o Parque Municipal de Campos do Jordão.
É seguro em termos de aventura, porque os riscos que apresenta estão sob controle, inclusive com avisos de cobras e pequenos animais, além da consciência ecológica, com os cuidados que devemos ter com o meio ambiente. O parque apresenta uma linda flora, com araucárias e plantas da mata atlântica, abrigando várias espécies de animais. Constantemente, vemos pássaros, como beija-flor, quero-quero, aves, como o Jacu, papagaio do peito roxo, macacos.
Em todos estes anos, nunca encontramos cobras, o que realmente nos frustrava, porque a expectativa sempre é descobrir a natureza viva. E não é que, dessa vez, nós encontramos na trilha uma cobra, da espécie da Jararaca?! Simmm!! Era uma urutu, e ela é venenosa. Os guardas foram super zelosos e atenderam com rapidez ao nosso grito de susto. Eu dei um grito inesperado (kkkk)!! A cobra até se assustou, e foi na direção contrária a nós.
Nenhum problema ocorreu além do susto, e rimos muito apreciando a nova descoberta. Na verdade, já tínhamos aprendido em outras circunstâncias que não precisamos temer as cobras, e sim, saber como lidar ao topar com uma.
A cobra somente ataca se houver risco a sua segurança, se pisarmos em cima ou interagirmos inadvertidamente com elas. São poucos os incidentes com cobras no parque. Ao adotar atitudes com atenção, cuidado e conhecimento, podemos prevenir situações de risco.
Para mim, essa é a gestão de risco na prática. Empreender é ter coragem de enfrentar as adversidades, mapeando os perigos e se preparando com competências e conhecimentos que nos auxiliem a superar os obstáculos.
Enfrentamos sol e chuva, areia, lama, musgos, pisos escorregadios, pedras, matas mais fechada. Algumas trilhas possuem, inclusive, subidas e descidas íngremes, que desafiam, em certo grau, até nós adultos.
Nosso filho mais velho, Joaquim, já está com preparo físico, autonomia e confiança. Mas, Catarina, 8 anos, e Benício, com 6, estão se habituando na caminhada, no entanto, já demonstram engajamento com a jornada, partilhando inclusive as informações sobre cuidados na trilha.
Para a aventura, vamos devidamente preparados com as vestimentas e calçados adequados, e um inventário nas mochilas, carregadas por nós, os pais e Joaquim. Ele já colabora com a equipe, auxiliando a carregar algumas necessidades, como capas de chuva e água.
Eles sabem o que precisa ser feito na caminhada no meio da mata, sabem as razões de adotarem determinadas ações, porque dialogamos repetidas vezes com eles. Por vezes, eu até já disse ao Celso o quanto ele é repetitivo, no entanto, entendi a necessidade de repassarmos com eles os conhecimentos. Dessa forma, não precisamos o tempo todo dizer “não faça isso, senão…” Assim, eles descobrem por si mesmos os valores e motivações dos cuidados na trilha.
É fundamental que conheçamos as razões para adotar determinadas condutas, e o diálogo aberto e empático contribui para a comunicação eficiente nas equipes. Isso não serve apenas para a relação familiar, e sim, toda relação, inclusive no ambiente de trabalho.
Como amo contemplar a natureza, eu aproveito para ensiná-los a apreciar, inspirar o ar profundo, meditar enquanto caminhamos, silenciar e ouvir o canto dos pássaros. Eis uma fonte de bem-estar, recomendada hoje até por médicos para tratar a ansiedade.
Dessa vez, decidimos conhecer a mais simples das trilhas, Trilha das Quatro Pontes, e completar uma outra, a da Cachoeira, em que desistimos algumas vezes no meio do caminho diante das circunstâncias. A trilha das pontes é de curta duração (30 minutos), indicada para realizar com crianças, devido ao nível de dificuldade ser baixo. Algumas, no entanto, possui pontes instáveis que oscilam com nossa passagem.
Esse fato causou medo na Catarina, ao andar logo na primeira ponte de madeira sobre uma forte correnteza. Houve certa irritação, porque o irmão mais velho fez o papel de provocar a irmã. Mas, contornamos a situação, lembrando as razões dos cuidados que devemos ter e o respeito ao receio do outro na equipe.
Ela superou o medo, dando pequenos passos, e descobriu um passeio incrível. Ficamos orgulhosos ao ver ela mesma explicar a si mesma o que deveria fazer, como não olhar para baixo e apoiar na lateral da ponte.
Percebo que a desenvoltura deles foi impulsionada por tantas outras vezes em que “fracassamos”. Uma vez, não completamos a trilha da Cachoeira, retornando no meio, pois verificamos que as crianças não teriam condições de aguentar os restantes quinze minutos somente de ida, com um retorno de 40 minutos.
Para elas, que não compreendem essa análise de riscos, foi uma enorme frustração. Por mais que explicássemos, elas não conseguiam compreender a nossa decisão. Como sempre acontece em situações que precisamos dizer não aos pequenos, houve birra, negação, choro, acusação, implicâncias. E sabemos como essas situações de birra são desafiadoras para nós pais em condições “normais”, imaginem no meio da floresta?! Então, nem tudo são flores.
Dessa vez, completamos dois circuitos: das quatro pontes e da cachoeira. Eles amaram, e, claro, eu os lembrei da situação em que não conseguimos atingir nossa meta de chegar na cachoeira. A felicidade estava estampada no rostinho deles, o encantamento com as quedas d’água e a natureza exuberante. Voltaram com as energias recarregadas, precisando de poucas paradas para aguentar o retorno. E o mais importante: compreenderam a importância de perseverar e de retroceder quando necessário.
Por mais que eles ainda resistam a algumas explicações ou não compreendam em sua totalidade a profundidade desses ensinamentos, percebo que eles acabam assimilando ao revelarem os aprendizados em algum momento posterior. Eu me surpreendo como fica registrado em suas mentes. Por isso, como pais, precisamos ser persistentes, falar o quanto for preciso, mesmo depois de perdermos a paciência.
Quem vê os registros, não imagina as manobras e preparos físicos e emocionais para este caminho. Prepará-los é a maior aventura de nossas vidas. Tenho convicção que eles levarão esses ensinamentos para a vida real, porque a caminhada na natureza traz a metáfora de nossas existências. Motivações, planos e metas, preparo, gestão de riscos, coragem, cautela, competências, conhecimentos, monitoramento, contenção de recursos, trabalho em equipe, paciência, resiliência, decisões conscientes, com algumas reflexões filosóficas.
Como pais, indicamos os caminhos, as trilhas, as jornadas. Como líderes, inspiramos atitudes de confiança em si mesmo e na equipe, dialogamos e escutamos pontos de vista diversos, tomamos decisões que desagradam, explicamos as razões e não criamos expectativas de que concordem, pelo menos, aceitem.
Como pais, ensinamos os conhecimentos, aprendemos com os outros e compartilhamos as experiências. Para um dia, eles mesmos tomarem as próprias decisões com autonomia. Por enquanto, eles têm optado por nos acompanhar com entusiasmo e envolvimento. Isso que esperamos de nossas equipes.
São essas experiências em família que me fazem profundamente bem, nutrem minha’alma, fortalecem meu cardio. São essas experiências que me fazem refletir o quanto a filosofia e a mediação trazem saberes para uma vida com sentido e empatia.
Precisamos aprender a reconhecer nossa essência e sabedoria nessas simples experiências, encontrar momentos de completude, estar presentes no aqui e agora, para seguir diante dos desafios modernos, rememorando os dias únicos vividos intensamente na vida real, longe do virtual.