Por:
Psicóloga Clarice Vilar
Teresina, 12.08.2024
Essa frase do famoso livro “Hamlet”, de Shakespeare, nunca esteve tão atual nos dias de hoje. Desde que ingressei no mercado de trabalho, me perguntei: eu poderia ser a melhor? Afinal de contas, isso existiria? Em quantas dimensões? Com qual sentido maior?
Me identifiquei muito com o pensamento do filósofo Byung-Chul Han, em seu livro “A Sociedade do Cansaço”. Estudei a sociedade disciplinar de Foucault no mestrado e fiquei surpresa com como ele mostra que estamos na sociedade do desempenho, presas em shoppings, bancos e academias. Ao invés de sujeitos de obediência, somos empresários de nós mesmos (Han, 2017, p. 23).
No lugar de proibição, mandamento ou lei vindos das guerras, presídios ou da fase negra da saúde mental, entram projeto, iniciativa e motivação.
A sociedade da disciplina gerava loucos; a do desempenho gera depressivos (Han, 2017, p. 24). Há, no inconsciente social de uma pirâmide capitalista, o desejo de maximizar a produção, substituindo o paradigma da disciplina pelo esquema positivo de poder (Han, 2017, p. 25). A depressão é a expressão patológica do fracasso do homem pós-moderno em ser ele mesmo (Han, 2017, p. 27).
E é nessa crise existencial, nesse encontro consigo mesmo, que o indivíduo não escapa das verdades que o cercam. E as mais dolorosas, mal sabe ele, são as que vão libertá-lo.
A expressão “infartos psíquicos” sugere um desajuste do aparelho biopsíquico em obedecer a si mesmo e à pressão do desempenho. O burnout representa, assim, o si-mesmo esgotado, mas antes, a alma consumida (Han, 2017, p. 28).
A inteligência espiritual fala da inteligência que trata questões de sentido, valor e significado. Danah Zohar afirma que Jung se preocupou com as doenças espirituais e afirmou que todas as psiconeuroses “terão de ser compreendidas, em última análise, como uma alma sofredora que não descobriu seu sentido”.
“A lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível. Não mais poder — poder — leva à uma autoacusação destrutiva e à autoagressão. O sujeito de desempenho encontra-se em guerra consigo mesmo (…) A depressão é o adoecimento de uma sociedade que sofre sob o excesso de positividade” (Han, 2017, p. 29).
Sim, a terapeuta Louise Hay falava disso. Esse ódio contra si mesmo, essa vingança pessoal, metafisicamente destrói seu campo energético e atrai o que você não quer.
Quando nossas escolas ensinarão o amor-próprio que não depende de medalhas e concursos?
Eu lembro de um livro que me marcou na adolescência chamado “O Ócio Criativo”, de Domenico De Masi. Lembro que a direção da escola não dava muita bola para isso. Estávamos todos ocupados, achando vantagem em ter muitas matérias e pouco tempo, para alimentar a vaidade alheia. O ócio, o tédio que nossa alma precisava em um cotidiano que fomentava a genialidade forçada em tudo — primeiro lugar sempre, produzindo algo que, se não fosse extraordinário, não teria valor — era subvalorizado.
Por isso essa positividade tóxica de hoje, esses discursos motivacionais baratos, esse veneno que espalharam que você é 100% responsável por sua vida, que só depende de você. Shows de pisar em cacos de vidro e fogo, em dinâmicas rasas que simulam vitória na vida. Triste.
Me chamou a atenção a parte em que ele fala que, na vida selvagem, o animal está obrigado a dividir sua atenção em diversas atividades. A multitarefa não é “cool”, não é coisa de avanço pós-moderno, mas um retrocesso. Está no nível da vida selvagem.
É assim nossa atenção hoje em dia, dizimada pelo algoritmo, pelas mídias, pelos tablets, pelas novas telas que surgem incontroláveis.
A solução? Repensar, desapegar, desacelerar. Humanizar ao extremo um cotidiano e uma mentalidade dentro de um sistema sufocante. Deveríamos ser a sociedade da alma.
Mas pena que a maioria acredita que não temos mais uma alma para salvar.
12/06/2024
Clarissa Vilar