Teresina, como de resto todo o Brasil vivia dias efusivos e dourados desde a conquista da copa do mundo, no México, em 1970. Mas o divertimento mesmo se restringia aos bailes nos clubes da capital e às festas nos inferninhos de ponta de rua. O rock nacional mal tinha dado os primeiros passos por aqui e a moda era escutar Maluco Beleza, com Raul Seixas, e Ovelha Negra, com Rita Lee, e outros menos cotados. As Tv’s eram raríssimas. Só nas residências abastadas da nossa “aristocracia saraivana” se podia encontrar esse apetrecho da nova era que se abria no campo das comunicações de massa. Quem, como eu, morava no Bairro de Fátima, então, que naquele tempo de final do primeiro governo Alberto Silva, e era ovelha de Dom Avelar Brandão Vilela, o divertimento era mesmo só a missa celebrada pelo novíssimo padre Tony Batista, recém-chegado com a missão de catequisar naquela distante paróquia. A avenida Nossa Senhora de Fátima terminava exatamente na praça da Igreja. O Bairro de Fátima terminava mesmo ali. Por trás da igreja só mesmo vereda de tropa de jumentos com cangalhas suportando o peso dos jacás repletos de frutas e legumes para vender no mercado central de Teresina ou no mercado do Mafuá. Imaginem aí, nem um mercado o bairro possuía.
O divertimento da juventude era mesmo restrito às missas do sábado e do domingo, ministrada sempre à noitinha, o que nos permitia em seguida passear na grande praça, sempre no sentido horário, enquanto as moças faziam o mesmo passeio no sentido anti-horário. Era como podíamos “paquerar” e admirar a beleza das moçoilas que, às vezes, sequer tinham debutado. As paqueras eram, de certo modo vigiadas pelos pais e os namoros requeriam respeito. A intimidade do casal só era possível depois de longo tempo juntos. Não era raro a moça trazer em sua companhia uma outra pessoa da família que tinha a missão de vigiá-la. E a intimidade do casal não passava mesmo de inocentes beijos e passear de mãos dadas. Hoje isso soa como se estivéssemos falando de ET’s.
Durante a semana de trabalho dos pais o que nos restava era mesmo estudar nos estabelecimentos educacionais do estado existentes no bairro ou no centro da cidade. No meu caso, estudava no Colégio Leao XIII no centro, cujo rigoroso diretor, Professor Moacir Madeira Campos exigia prudência no comportamento juvenil. Para o deslocamento nos utilizávamos de uma pequena e precária empresa de ônibus que fazia a “linha” Bairro de Fátima ao Centro. Em seguida, era retornar para casa e à noite, em companhia de muitos desocupados, ficar esperando a hora de assistir a novela Gabriela na única TV do Bairro, instalada na praça pela Prefeitura de Teresina para garantir o mínimo de ocupação da juventude e contribuindo para evitar que cabeças vazias fizessem bobagens.
Certa noite, com a molecada toda sentado no chão rústico de cimento da praça se voltam todos ao mesmo tempo e surpreendidos pela chegada de assíduo frequentador do lugar para acompanhar a dita novela. O homem vinha em desabalada carreira, como se o tempo lhe faltasse para respirar ou escorresse por entre os dedos num último sopro da vida. Cansado, suado às bicas, rebola ao chão sua bicicleta e esbaforido pergunta de chofre: a Gabriela já passou?
De pronto, um gaiato a postos para aproveitar essas deixas, respondeu: Rapaz só se foi pela rua de trás da igreja. Por aqui não vi, não. A gargalhada foi geral. Já podíamos voltar para casa e dormir feliz.
Era assim, de forma leve, que a juventude dos anos setenta se divertia!