Quem pensou que a velha política do “pires na mão” é coisa do passado, desconhece a atual situação de penúria na maioria absoluta dos municípios brasileiros. Os gestores municipais buscam soluções financeiras junto ao governo federal para enfrentar um problema estrutural: apenas 11% dos municípios conseguem se bancar, ou seja, arcar com suas próprias despesas.
A triste realidade é que 50% dos municípios encerraram o primeiro semestre de 2023 com déficits. A “luz vermelha” literalmente acendeu, o que serve como um alerta para os prefeitos e os candidatos à eleição do próximo ano.
A situação é crítica para inúmeras cidades brasileiras, que lutam com uma estrutura pública dispendiosa e ineficiente. O Brasil possui uma vasta extensão territorial e conta atualmente com 5.568 municípios, além do distrito insular de Fernando de Noronha e do Distrito Federal, mas somente 49 deles possuem uma população superior a meio milhão de habitantes, concentrando 31% da população total.
Conforme o Ipea, apenas 11% desses municípios possuem receita suficiente para cobrir as despesas sem depender de auxílio do governo federal. Este é um dado alarmante que resulta em uma situação insustentável. Mesmo com recursos provenientes do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, os prefeitos estão enfrentando dificuldades em gerenciar as próprias finanças.
Um exemplo disso é que 51% dos municípios encerraram o primeiro semestre do ano com déficits. A tensão aumenta com a possível aprovação da Reforma Tributária, que pode impactar ainda mais as receitas municipais e resultar em problemas de sustentabilidade. Nesse cenário, a solução não seria a fusão de municípios próximos para reduzir a dimensão do Estado. A alternativa é buscar ajuda em Brasília, com a esperança de receber recursos para amenizar a situação (um retrocesso à velha política do “pires na mão”.
“Essa dinâmica perversa incentiva atitudes fiscalmente irresponsáveis, com projetos de baixa qualidade e eficiência”, destaca Fabiana Fontes Rocha, especialista em economia do setor público e professora da Faculdade de Economia e Administração da USP. Fabiana Rocha deu a declaração à IstoÉ Dinheiro.
A primeira grande busca por soluções financeiras dos gestores municipais, em Brasília, ocorreu na semana de 18 de agosto. Prefeitos de várias regiões do país levaram dados atualizados sobre suas condições financeiras aos Poderes Executivo e ao Legislativo.
De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios – CNM, 2.362 cidades registraram déficits primários nos primeiros seis meses de 2023. Esse número é quase sete vezes maior do que o registrado no mesmo período do ano passado (342). Essa análise leva em consideração os 4,6 mil prefeitos que apresentaram suas informações financeiras ao Tesouro Nacional, representando cerca de 83% do total.
No Ministério da Fazenda, representantes do ministro Fernando Haddad receberam solicitações que abrangem um socorro específico para cidades afetadas por situações de emergência climática ou similares. Além de pedidos de aumento no Fundo de Participação, mudanças na Reforma Tributária e criação de novos programas de incentivo.
Nessa jornada, eles foram acompanhados pelo deputado Fernando Monteiro (PP/PE). O parlamentar levou o embrião de uma Proposta de Emenda à Constituição – PEC, contendo medidas específicas para “salvar” as cidades.
Com as eleições municipais se aproximando, a busca por recursos vai além da sustentabilidade financeira e envolve também a manutenção do poder. Sem fundos para obras e melhorias locais, os redutos eleitorais perdem força, ameaçando inclusive os membros do Legislativo.
Por isso, nas próximas semanas, a Comissão de Assuntos Econômicos deverá avaliar um pedido para aumentar os recursos do Fundo de Participação dos Municípios, que atualmente recebe 25,5% das receitas do governo federal provenientes do Imposto de Renda e do IPI.
Vale lembrar que a porcentagem original era de 22,5%, mas foram aprovadas três parcelas extras de 1% cada, em emendas constitucionais de 2007, 2014 e 2021.
Conforme o projeto analisado pelos deputados, haveria um repasse extra de 1,5%, a ser efetuado em março de cada ano. A CNM estima que essa medida acrescentaria R$ 11,1 bilhões aos cofres municipais. No entanto, isso significaria uma perda de receita para o governo federal, o que não é bem recebido pelo ministro da Fazenda.
Também está em debate uma compensação de cerca de R$ 6,8 bilhões para os municípios devido à redução do ICMS sobre combustíveis, aprovada no ano passado durante o governo de Jair Bolsonaro.
“A culpa não é do prefeito. O Congresso e o governo adotam medidas sem prever a contrapartida financeira adequada”, afirma Paulo Ziulkosky, presidente da CNM.
Outra demanda dos prefeitos é a criação de um regime especial de Previdência Social. Mas, com uma taxa de cerca de 8% para o INSS em municípios com até 142 mil habitantes, um número crítico, que certamente não geraria grandes resultados, já que 5,2 mil dos 5,5 municípios possuem até 100 mil habitantes, e 69% deles têm menos de 20 mil habitantes.
Atualmente, as prefeituras de pequeno e médio porte não possuem regimes próprios de Previdência Social. Elas seguem o regime adotado pelo governo federal e precisam recolher 20% sobre a folha de pagamento, assim como outros empregadores no Brasil.
Com essa proposta em mente, os prefeitos se aproximaram dos deputados do centrão, mas Haddad já deu indícios de que tal projeto enfrentaria desafios. Em uma entrevista realizada em julho, ele afirmou que tal medida seria inconstitucional. E mais, que o Executivo é firmemente contra, já que acarretaria um custo de cerca de R$ 10 bilhões para a União.
No entanto, alguns pontos abordados pelos prefeitos estão alinhados com os objetivos de Fernando Haddad. Um deles diz respeito à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Carf, que daria à União a vitória em caso de empate em processos envolvendo a iniciativa privada.
Embora o Ministério da Fazenda não tenha dados finais sobre o montante que essa medida poderia gerar para o FPM, a Confederação estima que gire em torno de R$ 33 bilhões.
De acordo com Paulo Ziulkoski, o enfraquecimento das finanças municipais não é apenas uma questão conjuntural, mas está relacionado à constante ampliação das competências municipais aprovadas em Brasília. E que se transformam em despesas para a gestão municipal.
“A culpa não é do prefeito. O Congresso e o governo adotam medidas sem prever a devida contrapartida financeira”, afirma.
No primeiro semestre de 2022, as prefeituras receberam R$ 13,2 bilhões em emendas indicadas pelos congressistas, um valor que caiu para R$ 5,6 bilhões neste ano.
Na área da Saúde, a queda foi ainda mais acentuada, de R$ 10,7 bilhões para R$ 2,9 bilhões.
“Tudo isso enquanto as despesas aumentaram 24% nominalmente, devido a aumentos salariais e ampliação de investimentos”, ressalta Ziulkoski.
Um exemplo disso são os aumentos nos salários do sistema judiciário, que têm seu piso salarial vinculado à União. Os magistrados tiveram aumentos de 33% em 2022 e de 14,95% este ano, gerando um impacto de R$ 19,4 bilhões.
“Atualmente, 25% da folha de pagamento está vinculada a esses servidores”, observa o presidente da CNM.
De acordo com ele, as receitas municipais realmente aumentaram 10% nos primeiros seis meses do ano, mas as transferências da União permaneceram estáveis (+0,2%). Por isso, as contas não fecham.
Uma solução para parte desse impasse pode já estar nas mãos de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. O Projeto de Lei Complementar 195, de autoria do senador Oriovisto Guimarães (Podemos/PR), propõe unificar cidades com até 5 mil habitantes, criando estruturas municipais mais eficientes que, na prática, levariam a um aumento no FPM per capita, dos atuais R$ 9,16 para cerca de R$ 36,5.
Mais da metade dos municípios do Piauí são insustentáveis
No caso do Piauí, entre os 224 municípios, 185 dessas enfrentam uma situação insustentável. Isso representa cerca de 83% dos municípios que não conseguem acumular recursos suficientes para suprir as próprias despesas. Resultado: cada vez mais as prefeituras dependem de repasses da União para investimentos e até mesmo para honrar compromissos.
Nesse ranking, superamos Estados como o Maranhão, que possui 217 municípios, dos quais 179 estão enquadrados nesse estado de insustentabilidade. Isso equivale a aproximadamente 82% do total de municípios maranhenses.
Em terceiro lugar nesse quadro de dificuldades está o Estado da Paraíba, com 223 municípios, sendo que 174 deles não possuem capacidade de cobrir todas as despesas com as arrecadações. Nessa classificação de insustentabilidade, até 78% das cidades chegaram a estar nessa posição.
Na ponta oposta dessa tabela, temos o Estado de Santa Catarina, que abriga 295 municípios, sendo que apenas um deles não consegue se manter autonomamente. No Rio de Janeiro, com seus 95 municípios, apenas duas não arrecadam o suficiente para cobrir suas despesas. Logo após, surge São Paulo, que conta com 645 municípios, e somente 19 não conseguem se sustentar, o que equivale a cerca de 3% do total de municípios do Estado.
Redação Move Notícias