Por Wagner Albuquerque
Uma polêmica envolvendo a construção de uma usina de dessalinização na Praia do Futuro, em Fortaleza (CE), está caminhando para um desfecho imprevisível, gerando tensão entre os setores de telecomunicações e infraestrutura hídrica. A localidade, de onde partem 18 cabos submarinos de fibra óptica que conectam o Brasil à Europa, Estados Unidos e África, tornou-se palco de uma disputa complexa que poderá impactar a conectividade digital no país.
A controvérsia teve início há dois anos, quando a estatal Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) anunciou uma Parceria Público-Privada (PPP) com o consórcio Águas de Fortaleza para a construção de uma usina de dessalinização de água marinha. O projeto, estimado em R$ 3,2 bilhões, visa fornecer água para o macrossistema de água da capital cearense, beneficiando cerca de 720 mil pessoas.
No entanto, desde o anúncio, a construção enfrenta resistência das operadoras de telecomunicações, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e de outros órgãos federais, além da International Cable Protection Committee (ICPC), que supervisiona cabos submarinos globalmente.
O principal argumento das operadoras é o potencial impacto da usina na infraestrutura associada aos cabos submarinos, podendo interferir nas telecomunicações de toda a América do Sul. Os cabos submarinos de fibra óptica transportam 99% do tráfego de dados e de voz na internet, sendo essenciais para uma variedade de serviços digitais.
Mais de 90% dos dados do Brasil passam pela Praia do Futuro antes de serem distribuídos para outras regiões, tornando-a o segundo maior hub de conexão de fibra óptica do mundo, atrás apenas da cidade de Shima, no Japão.
A Anatel, em parecer técnico emitido em dezembro, reforçou sua objeção à obra, sugerindo a possibilidade de realizá-la em outra praia. No entanto, a Cagece e o consórcio afirmam que mais de 20 pareceres de órgãos técnicos ambientais aprovaram a Licença Prévia para o projeto.
Em meio a esse impasse, o presidente da Cagece, Neuri Freitas, anunciou que a obra terá início em março de 2024, alegando que a Superintendência do Patrimônio da União (SPU) emitiu autorização. A declaração gerou reação do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, afirmando que a construção ainda está em análise na SPU.
A postura firme das grandes teles indica a possibilidade de judicialização da questão, alertando para possíveis problemas de convivência entre a usina e os cabos submarinos a curto e médio prazo. A incerteza paira sobre o desfecho dessa complexa disputa, que envolve interesses cruciais para a infraestrutura digital e hídrica do Brasil.