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Publicado em: 14 fevereiro 2024 às 10:02 | Atualizado em: 14 fevereiro 2024 às 10:08

Brasil em crise: aumenta em 300% pedidos de recuperação judicial no agro

Por Wagner Albuquerque

A situação financeira dos produtores rurais no Brasil piorou muito no ano passado, principalmente devido ao aumento dos custos e das perdas nas colheitas causadas por fenômenos climáticos. E a tendência é que eles continuem buscando a recuperação judicial em 2024.

De acordo com os números mais atualizados da Serasa Experian, foram 80 pedidos de janeiro a setembro de 2023. Em relação a todo o ano de 2022, quando foram 20 pedidos, o crescimento foi de 300%. Os produtores rurais são os únicos indivíduos que podem usar essa opção, devido ao alto grau de incerteza da atividade.

Junior Diehl, produtor rural e sócio do Grupo Diehl — Foto: Divulgação

Um dos que recorreu à recuperação judicial foi o agricultor Junior Diehl. Ele enfrentou o descontrole de suas dívidas depois de uma safra ruim que o obrigou a usar o recurso. Diehl acha que, nesta safra, muitos produtores de Mato Grosso devem passar por problemas parecidos. A razão é a mistura entre nível ainda elevado de custo com insumos, baixa no valor da soja e clima desfavorável.

“Hoje, uns 20% a 30% dos produtores do Estado estão caminhando para a mesma situação que a gente viveu. Se não fosse pela recuperação judicial, eu teria perdido tudo”, declara o produtor.

Diehl começou a se endividar em 2018. Primeiro, pelo aumento do preço dos insumos por causa da paralisação dos caminhoneiros. Depois, a região onde fica sua propriedade, o Vale do Araguaia (MT), sofreu com seca na safra e chuva na colheita, o que estragou boa parte da produção.

No começo de 2019, o grupo Diehl ainda plantava mais de 11 mil hectares de soja, milho, feijão, arroz e gergelim. Mas, uma parte das terras teve que ser vendida e no ciclo atual a área se reduz a 4 mil hectares. “Tentei negociar com banco, pedi dois anos de carência e não consegui”, conta.

Então, no ano passado, a 4ª Vara Cível de Rondonópolis (MT) aceitou o pedido de recuperação judicial do grupo Diehl e seus membros pessoa física, como Junior. O passivo era de R$ 132,5 milhões, sendo que a dívida concursal — incluída na recuperação — é de R$ 111 milhões.

O plano de recuperação judicial já foi elaborado e agora está em negociação com os credores. “Precisamos que 50% mais 1 dos credores aprovem o plano. Acredito que até maio teremos superado essa etapa”, diz o advogado de Diehl, Rubem Vandoni, sócio da RJV Advogados.

Vandoni afirma que a recuperação judicial impede que o produtor perca bens essenciais para que ele continue na atividade e possa pagar as contas, como a fazenda, maquinário agrícola e a própria produção. Esses bens, em geral, estariam em risco entre as garantias das dívidas.

No quadro geral de recuperações judiciais requeridas em todo o ano de 2023 no país — considerando empresas do comércio, indústria, serviços e setor primário — foram 1.405 pedidos, um aumento de quase 70% em relação a 2022.

“Acreditamos que o principal fator para este avanço no agro foi a alteração na legislação, que mudou em 2020 e passou a permitir que os produtores pudessem pedir recuperação judicial. A maior parte dos pedidos foi em Mato Grosso, em áreas de soja e pastagem, mas a gente acha que esse número ainda não se estabilizou. Neste primeiro momento, vai acabar subindo”, afirma, em entrevista ao Valor o head de Ciência de Dados para o Agronegócio da Serasa Experian, Frederico Poleto.

Mas não é só isso. Na avaliação do especialista Luiz Deoclécio Fiore de Oliveira, presidente da OnBehalf Auditores e Consultores, a alta nos pedidos reflete tanto uma demanda represada, já que é uma possibilidade recente, quanto o contexto econômico enfrentado pelo setor.

“Por mais que exista uma visão de que o agro tem uma participação relevante no PIB [Produto Interno Bruto], esse é um setor que tem desafios diferentes de outros segmentos. Ele depende de ter um equilíbrio climático, uma estabilização no preço dos insumos e de ter uma política de governo que o apoie”, afirma. Oliveira atende cinco empresas do agronegócio com pedidos de recuperação entre seus 60 clientes.

Desafios da lavoura

Além das particularidades do agro, o último ano foi complexo para os produtores rurais no que diz respeito ao clima, por causa dos impactos do El Niño sobre as lavouras. A volatilidade nos preços dos insumos, como fertilizantes, devido a questões geopolíticas, também os afetou.

“O custo operacional aumentou muito e tudo isso se reflete no agravamento da atividade empresarial ou mesmo da produção rural. Por isso a gente entende que essas dificuldades ainda vão desencadear um agravamento ao setor”, avalia Oliveira.

Por essa razão, ele acredita que 2024 deve ser outro ano de aumento nos pedidos de recuperação judicial por produtores, podendo até superar a alta de 300%, considerando os dados de nove meses de 2023. “Isso deve ocorrer até mesmo pelo amadurecimento da legislação (…) e também pela quantidade de produtores rurais pessoa física que existem no Brasil, que são muitos”, enfatiza.

Guilherme Bechara, sócio da área de reestruturação e falência do Demarest, também avalia que os pedidos de recuperação judicial no setor devem crescer este ano, devido sobretudo aos pedidos de pequenos e médios produtores.