Por Douglas Ferreira
Herbert Marshall McLuhan foi um visionário que, há 61 anos, cunhou a expressão profética “aldeia global” — aludindo ao impacto das novas tecnologias na interconexão global. Mas, dificilmente o filósofo candense teria se dado conta dos verdadeiros impactos dessa revolução. Este conceito é claramente observável no jornalismo internacional, onde as notícias percorrem o mundo em segundos. No entanto, mesmo com todos os avanços tecnológicos, a comunicação global ainda enfrenta desafios significativos, incluindo a distorção de informações.
Recentemente, um exemplo marcante ilustrou este problema. O repórter do New York Times, Jack Nicas, realizou uma reportagem épica de campo, mostrando a chegada da internet de alta velocidade à aldeia do povo Marubo, no coração da Amazônia brasileira. O objetivo era relatar os benefícios que a conectividade trouxe para essa comunidade isolada. No entanto, ele também mencionou que alguns membros da tribo usavam a internet para acessar pornografia. Esta observação específica foi amplamente distorcida e disseminada pela mídia global, resultando em uma narrativa equivocada sobre o suposto vício em pornografia dos Marubo.
Após a publicação, a reportagem foi reproduzida e reinterpretada de maneira sensacionalista em diversos países, transformando-se em manchetes enganosas que afirmavam falsamente que os Marubo estavam viciados em pornografia. E nós do Move Notícias, infelizmente, apesar dos nossos critérios de apuração da informação veículada, também caímos nessa ‘esparrela’ e, aqui, fazemos a nossa ‘mea culpa’.
A distorção da matéria original foi tão significativa que Nicas se viu obrigado a escrever uma nova reportagem. Tudo para corrigir a percepção errônea gerada pela mídia nacional e internacional.
A cobertura original destacava como a internet ajudou os Marubo a se comunicar entre aldeias, manter contato com entes queridos distantes e pedir ajuda em emergências. Contudo, a preocupação dos anciãos com o impacto cultural da tecnologia, incluindo o acesso à pornografia por alguns jovens, foi mal interpretada e exagerada pela mídia global. Manchetes sensacionalistas se espalharam rapidamente, alcançando países como Reino Unido, Alemanha, Austrália, Índia, Indonésia, Malásia, Turquia, Nigéria, México e Chile, e até mesmo em árabe pela mídia estatal russa RT.
No Brasil, o boato se disseminou rapidamente, causando desconforto nas pequenas cidades amazônicas onde alguns Marubo vivem e estudam. As afirmações infundadas e preconceituosas não refletiam a realidade observada por Nicas durante a estada na floresta. Em um vídeo postado online, Enoque Marubo, líder que trouxe a Starlink para as aldeias, expressou a indignação com a distorção, afirmando que tais alegações desrespeitam a autonomia e identidade de seu povo.
Alfredo Marubo, outro líder que mencionou a preocupação com a pornografia no artigo original, destacou os danos potenciais das manchetes enganosas. Eliesio Marubo, advogado e ativista dos direitos indígenas, também se pronunciou, recebendo milhares de notificações e comentários nas redes sociais que zombavam do povo Marubo. Ele ressaltou que, embora a internet traga muitas vantagens, também apresenta desafios significativos, especialmente quando a desinformação se espalha.
Este incidente ilustra perfeitamente a complexidade da comunicação na era da informação. A ‘aldeia global’, prevista pelo filósofo candense McLuhan, consegue tanto conectar quanto desconectar, distorcendo a realidade em sua ‘cacofonia digital’. É um lembrete poderoso dos perigos da desinformação e da necessidade de um jornalismo responsável e preciso na era da internet.