Por Wagner Albuquerque
A resistência brasileira às grandes empresas de tecnologia, como Google e Meta, tem sido destacada por intelectuais críticos dessas gigantes, que a veem como historicamente mais robusta do que nos Estados Unidos. Esse reconhecimento baseia-se em legislações de proteção de dados, como o debate em torno do PL das fake news, e em episódios emblemáticos, como o desafio de um funcionário público durante o primeiro governo Lula contra a Microsoft, empresa que recentemente ultrapassou a Apple e se tornou a mais valiosa do mundo.
O personagem central nesse debate é Sergio Amadeu, que presidiu o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) de 2003 a 2005, ligado à Casa Civil. Atualmente professor na UFABC, Amadeu é frequentemente mencionado por especialistas devido a sua postura crítica. Em 2004, ele recusou licenças de uma versão limitada do Windows oferecidas pela Microsoft para o programa social PC Conectado, que visava facilitar o acesso a computadores para a classe média baixa.
“Disse não porque a Microsoft tem o modelo de negócio de um traficante de drogas: eles só dão a primeira dose de graça; depois que a pessoa está viciada, cobram uma fortuna”, explicou Amadeu em declaração à revista Carta Capital na época. A afirmação gerou uma notificação judicial da empresa americana e chamou a atenção da imprensa internacional, sendo destacada pelo New York Times e influenciando intelectuais críticos do monopólio tecnológico.
Além da polêmica do PC Conectado, o legado de Amadeu no início dos anos 2000 incluiu o incentivo à adoção do sistema operacional gratuito e aberto Linux e o estabelecimento de bases para o uso de programas com licença livre pelo governo brasileiro, conhecido como software público. Esses programas permitem execução, modificação e distribuição livres, fundamentais para iniciativas como o sistema Pix, desenvolvido com código aberto e Linux.
Contudo, os esforços de Amadeu enfrentaram resistência de multinacionais de tecnologia e de membros do próprio governo Lula, como Antonio Palocci e Luiz Fernando Furlan. A oposição impediu que a política de software público se tornasse lei ou decreto, resultando apenas em uma portaria que priorizava “licenças permissivas de uso”.
Apesar das críticas e da posterior desarticulação da política de software livre, o debate sobre tecnologias locais e a resistência ao domínio das grandes empresas de tecnologia continua relevante. Intelectuais como Cory Doctorow e Douglas Rushkoff destacam a importância de países em desenvolvimento resistirem ao lobby das big techs e desenvolverem soluções tecnológicas adaptadas localmente.
Esse histórico demonstra que, embora desafiador, o Brasil tem sido palco de debates fundamentais sobre o controle e uso de tecnologias digitais, refletindo uma resistência contínua e uma busca por alternativas que promovam autonomia e soberania tecnológica.