Transformação digital e “novo normal” permitem manter gestores menos experientes e com características comportamentais específicas
Executivos mais jovens estão chegando às cadeiras de decisão de grandes empresas. De acordo com especialistas em recursos humanos ouvidos pelo Valor, os integrantes das gerações Y ou millennials (nascidos entre 1981-1996) e Z (a partir de 1997) são alçados às diretorias por três razões principais. As corporações querem aproveitar o conhecimento em tecnologia e redes sociais desses quadros em posições estratégicas, há uma maior preocupação com projetos longevos que exigem a permanência das lideranças por mais tempo, e a falta de currículos no mercado tem pressionado a qualificação de talentos “dentro de casa”.
“A demanda de negócios no ‘pós-pandemia’ mudou e fez com que o perfil dos gestores também se modificasse”, avalia Bruno Martins, CEO da consultoria Trilha Carreira Interativa, que registrou em 2023 um aumento de 80% do número de solicitações de programas de formação de líderes, ante 2022. “Por conta de processos de transformação digital, as organizações estão em busca de perfis que utilizem as novas tecnologias que o mercado almeja.”
Do lado das jovens lideranças, estudos indicam que o desejo de ascender ganhou tração. Segundo uma pesquisa da consultoria United Minds analisada pela McKinsey, 38% dos membros da geração Z, na faixa dos 26 anos, querem comandar empresas, índice acima dos 31% da Y, com 27 a 42 anos.
O que chama a atenção nos números do levantamento – realizado nos Estados Unidos com 1.050 profissionais com 18 anos ou mais – é que os “Z” sempre tiveram a fama de priorizar a qualidade de vida ante os avanços na carreira, deixando as preocupações corporativas para os mais velhos. De acordo com a análise da McKinsey, a diferença agora é que esse grupo espera ocupar os postos de gestão com a ajuda dos expedientes híbridos, de menos impacto no equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Na Haleon, dona de marcas como Advil e Sensodyne, o executivo Rafael Jones, de 32 anos, assumiu o cargo de diretor de mídia para a América Latina no final de 2023. Antes da promoção, atuava como gerente das categorias de vitaminas e “oral care” (higiene bucal). “Ingressei na companhia em 2010, como estagiário na área de supply chain e logística”, lembra o graduado em administração industrial.
Segundo Jones, a progressão na carreira foi de forma gradual. “Embora não tenha participado de um programa formal de formação de líderes, busquei oportunidades de desenvolvimento, com cursos e treinamentos”, diz. “Acredito que uma abordagem proativa e disposição para aprender contribuíram na ascensão.”
O diretor é adepto do modelo de capacitação conhecido como “70/20/10”, em que 70% do desenvolvimento vêm da prática, 20% acontecem por meio de coaching e 10% são obtidos com treinamentos. “Fiquei sempre [nesse formato], me preparando no dia a dia, com suporte de líderes seniores como mentores e aulas como ‘mini-MBAs’, em segmentos como marketing e comércio digital.”
Para os jovens que planejam assumir cadeiras de direção mais cedo, a orientação de Jones é não “abrir a guarda”. “Crie conexões, trabalhe enquanto todos descansam e não se compare com seus pares, mas com o cargo que deseja alcançar”, diz. “‘Hard work pays off’ [o trabalho duro compensa].”
Na visão de Carlos Lacerda, diretor de retail media e parcerias estratégicas das farmácias Pague Menos e Extrafarma, de 39 anos, exibir uma boa performance pode pavimentar uma escalada mais rápida, independentemente da idade. “Busquei ser reconhecido pelas entregas. Que elas falassem por mim”, diz o executivo, que ocupou o primeiro cargo de gestão aos 25 e conquistou a posição atual em dezembro de 2023. “Acredito ainda na obtenção de soft skills, na articulação com pessoas-chave e no alinhamento de um plano de carreira com os gestores [para chegar a cargos seniores]”, continua. “Mas nunca esperei a empresa falar que ia me colocar em algum lugar. Sempre fui ativo, sei onde quero chegar e meu chefe precisa saber disso também.”
Lacerda, com diploma de publicidade e propaganda, ingressou como gerente de marketing na Extrafarma, em 2016 – o grupo foi adquirido pela Pague Menos em 2022. O executivo destaca que não participou de ações de aceleração funcional, mas investiu em qualificações. “Ao iniciar a carreira, optei por abrir mão de um programa de trainee em prol de uma formação no exterior, acreditando que isso impulsionaria meu crescimento. E, de fato, ajudou.”
O executivo tem especialização em administração pelo College of Technology London, em Londres, e um MBA em marketing. Recentemente, concluiu um mestrado em gestão da competitividade no varejo, na Fundação Getulio Vargas (FGV). Entre os projetos recentes que participou está a parceria da Pague Menos com o Big Brother Brasil em 2023. “Foi a primeira farmácia a patrocinar o programa.”
Atualmente, pode ser visto em reuniões quinzenais com pares da liderança para discutir novas estratégias de gestão de pessoas. “Meu papel é auxiliar os líderes na formação de equipes, no desenvolvimento de gestores e no suporte para quem gerencia outros colaboradores.”
Maria Sartori, diretora associada da consultoria de recursos humanos Robert Half, diz que a onda de preparação de jovens líderes deve ganhar força nos próximos anos. “O movimento começou com a expansão das startups na década passada e se intensificou com a pandemia e no ‘pós-pandemia’”, analisa. “O chamado ‘novo normal’ ajuda a promover um ambiente de trabalho mais dinâmico, que demanda e possibilita manter lideranças menos experientes, mas com características comportamentais aderentes às necessidades atuais.”
Além disso, segundo a especialista, organizações de setores como tecnologia e indústrias que sofreram “downsizing” (redução de times) nos últimos anos podem oferecer a possibilidade de acesso a cargos graduados antes dos profissionais estarem 100% maduros. “O jovem executivo, de até 40 anos, que chega às diretorias agora, mostra um perfil dinâmico, ousado e é dono de boa comunicação”, afirma.
“A diversidade [de faixas etárias] na liderança ainda carrega o potencial de trazer muito aprendizado não só para a equipe, mas para toda a companhia.”
Fonte: Valor Econômico