Por Douglas Ferreira
A controvérsia em torno da “saidinha” ou “saidão” de presos para ressocialização com a família e a sociedade persiste, especialmente agora que o presidente Lula vetou parte do projeto. Justamente o que motivou a apresentação do Projeto de Lei (PL) à Câmara, que é o fim da “saidinha”. Entender como esse benefício começou e os impactos que tem causado na sociedade brasileira é essencial para avaliar sua eficácia e repercussão.
Desde 1984, o Brasil contempla o direito à “saidinha” para os detentos, estabelecido pela Lei de Execução Penal (LEP). Esta lei visa implementar as disposições de sentença ou decisão criminal e facilitar a reintegração social harmoniosa do condenado e do internado. Cinco vezes por ano, o juiz das execuções penais pode autorizar que o detento saia da prisão para vivenciar um período de convivência com a família e a sociedade.
Essas saídas ocorrem em feriados como Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia das Crianças e Natal. De acordo com a LEP, o preso, com exceção daqueles do regime fechado, pode sair temporariamente para visitar a família até cinco vezes ao ano, com cada saída com duração de até sete dias corridos. Após esse período, o detento deve retornar ao sistema prisional para continuar cumprindo sua pena. No entanto, nem sempre isso acontece, muitos aproveitam a oportunidade para fugir e voltar ao mundo do crime.
Além disso, muitos reincidem na criminalidade mesmo durante o período do benefício da “saidinha”, havendo casos de detentos voltando ao crime no mesmo dia ou no dia seguinte à saída. Outra questão é que, ao longo de quase quatro décadas, essa prática tem promovido situações estranhas, como presos condenados por homicídio dos pais ou dos filhos sendo liberados para passar o Dia dos Pais o Dia das Mães ou Dia da Criança com a família.
Por isso, a sociedade piauiense é majoritariamente contrária a esse benefício concedido aos criminosos. Não não há uma pesquisa específica no Estado, mas em qualquer roda de conversa o tema é rechaçado pela grande maioria. Muitos argumentam que “não há efetiva ressocialização dos presos, apenas uma convivência entre criminosos”. A maioria dos entrevistados discorda da ideia de ressocialização, considerando-a “uma falácia”.
“Isso é balela. Não há ressocialização senão entre eles mesmos, os criminosos”, afirma Carlos Augusto Moura, servidor público aposentado.
O ambulante Francisco Alberto Bezerra diz que. “meu vizinho foi assassinado três dias depois de sair do presídio num período de Semana Santa. Isso aconteceu já há mais de 10 nos. Se tivesse preso não teria morrido e a essa altura já teria cumprido a pena”.
Os casos de violência que resultam na morte dos presos em “saidinha” são raros, mas existem. O mais comum é o envolvimento dos detentos em crimes contra a vida de terceiros. Um caso emblemático ocorreu recentemente, quando um policial militar foi morto durante um confronto em Belo Horizonte por um detento que estava em “saidinha” de Natal.
O policial militar Roger Dias da Cunha, de 29 anos, morreu no domingo, 7 de janeiro, deste ano, depois de ser baleado na cabeça durante confronto em Belo Horizonte /MG.
Embora não haja uma estatística oficial sobre quantos presos cometem homicídios durante o ‘período de ressocialização’, sabe-se que um grande número não retorna ao sistema prisional após as “saidinhas”. No ano passado, mais de 15 mil detentos não voltaram às prisões após desfrutar dessas ‘saídas temporárias’, conforme consta no Relatório de Informações Penais elaborado pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).
Por outro lado, estima-se que de 2003 até 2023, pelo menos 120 mil presos não retornaram aos presídio após essas ‘saídas temporárias’, o que tem causado preocupação entre os cidadãos honestos e respeitadores da lei.
O promotor Francisco de Jesus é defensor do direito do detento à ressocialização, mas entende que, “o Estado brasileiro deve efetivamente realizar o monitoramento para que esses apenados possam ter contato com suas famílias e após isso retornem ao sistema penal”.
Francisco de Jesus vai mais longe e sugere que, “da mesma forma que aquele que não retorna sofre a restrição de alguns direito, o volta ao sistema deveria ter algum tipo de benefício. Isso, sem dúvida vai assegurar o retorno do apenado ao presídio”.
E o que deve acontecer agora, após o veto presidencial? O governo já está se articulando para tentar manter o veto. Fala-se na busca do apoio de bancadas cristãs na Câmara Federal. Sobretudo, por conta do trabalho pastoral desenvolvido nos presídios brasileiros por evangêlicos e católicos.
Do lado da oposição o discurso é de “vetar o veto”, ou seja, derrubar o veto do Palácio da Planalto. Os mais radicais dizem que será mais uma “derrota” de Lula, semelhante ao que aconteceu quando o presidente vetou o PL da desoneração da folha de pagamento e esse veto foi derrubado.