No Brasil e especialmente no Piauí, a burocracia cartorária é um problema crônico que afeta diversos setores da sociedade. Existe um gigantesco emaranhado de procedimentos e exigências absurdas que acabam por dificultar o desenvolvimento econômico, promover a segurança jurídica, criar um ambiente seguro aos negócios e frustrar eventuais empreendedores.
O resultado é um cenário no qual somente quem detém o controle dessas entidades divinas, se beneficiam desse sistema em contraste exorbitante a quem deveriam servir com agilidade e presteza, a população em geral.
Sim, se engana que pensa que cartório é uma instituição eminentemente pública. Apenas um órgão do Poder Judiciário. Boa parte deles estão no controle do Poder Judiciário sim, nas a grande maioria, na verdade, são sesmarias concedidas à famílias proeminentes do Estado, desde então constituíram-se em próspero negócio de ganho fácil e altamente rendoso, “uma máquina de fazer dinheiro”.
Que o diga, o cidadão comum que procura um cartório em Teresina. Nesses estabelecimentos ‘eles cobram por tudo’. Até pelo que legalmente não deveriam cobrar, como reconhecimento de firma por exemplo. Cobram para você registrar assinatura num cartão de autógrafo (R$ 6,28), depois cobram para confirmar a sua assinatura num documento (R$ 6,28).
Detalhe: desde novembro de 2018 está em vigar uma lei que dispõe sobre o fim da obrigação de reconhecimento de firma e dispensa da autenticação de cópias. Ou seja, cópia autenticada ou reconhecimento de firma somente poderão ser exigidos se houver previsão legal ou dúvida justificada.
A presença excessiva de cartórios e a complexidade dos trâmites burocráticos criam um ambiente desfavorável para o crescimento econômico. Empresas, tanto grandes quanto pequenas, são prejudicadas pela morosidade e custos adicionais envolvidos na realização de tarefas simples, como abrir um negócio, registrar uma propriedade ou obter uma certidão.
Esse contexto desestimula o empreendedorismo, dificultando a expansão e o surgimento de novos negócios, o que impacta diretamente na geração de empregos e no desenvolvimento do Estado. Agora, os cartórios querem interferir até mesmo no teor de documentos simples, como uma Ata.
Foi o que aconteceu com o empresário Arthur Feitosa, presidente do Movimento Empreender Piauí – MOVE/PI, nesta quarta-feira, 2, no Tabelionato João Crisóstomo, Cartório do 1º Ofício de Notas e Registro de Imóveis, no centro de Teresina.
“Estou até agora sem entender tamanha burocracia. Um cartório não pode interferir no teor do documento a ser registrado. Mas é o que vem acontecendo, desde março de 2023 até hoje, no João Crisóstomo. Desde março tentamos registrar uma Ata das decisões tomadas em reunião de Assembleia Geral, portanto legítima, sem que toda vez que nossa agente se dirija a esse cartório, não retorne com uma lista de procedimentos novos. Isso é inaceitável”, protestou Arthur Feitosa.
Além disso, a burocracia cartorária promove a insegurança jurídica, pois os trâmites complexos e demorados tornam incerto o resultado de diversos processos legais, além de afugentar eventuais empreendedores que porventura planejem investir aqui. Isso afeta desde a resolução de questões cotidianas até questões mais complexas e estratégicas para as empresas. A falta de clareza, a interpretação pessoal e a morosidade nos processos cartorários criam um ambiente desfavorável para investimentos e para a atração de novos investidores, afugentando oportunidades de crescimento econômico e desenvolvimento social.
“O meu problema hoje, e desde março de 2023, é no Cartório João Crisóstomo. Mas essa é uma prática comum em todos os cartórios do Piauí”, ressaltou o presidente do MOVE/PI.
Outro aspecto duvidoso da burocracia cartorária é a sensação de que as taxas e emolumentos cobrados nos cartórios são excessivos e muitas vezes injustificados. O cidadão se vê obrigado a pagar por inúmeras certidões e serviços que, em muitos casos, poderiam ser fornecidos gratuitamente através da Internet ou a custos mais baixos em outras instâncias do governo. Os cartórios parecem mais bancas de caça níquel. O objetivo é faturar até com o ar que o cidadão se atreva a respirar nesses ambientes.
“O pior é que não se sabe o que se faz com tanta taxa cartorária. Isso precisa acabar, a sociedade, o empreendedor, não pode viver refém de um sistema feudal, arcaico, ultrapassado, cuja única finalidade é arrecadar, sem, no entanto, fornecer a contrapartida necessária, ofertando bons serviços”, desabafou o empresário.
Quem tenta transferir a propriedade de um veículo automotor no Piauí, também esbarra na burocracia e taxas dos cartórios. Veja que, o vendedor tem que informar (leia-se pagar R$ 53,00) ao cartório que vendeu o carro ou motocicleta.
“Mas, isso, é só para o cartório informar a venda ao Detran, que por sua vez, também vai cobrar uma taxa, desta vez do comprador. Valor da taxa: R$ 199,00. Isso chega a ser desonesto com o cidadão”, desabafou a enfermeira Leidiana Silva.
Para superar esse desafio, é fundamental que seja respeitada e implementadas as diretrizes estabelecidas na lei da desburocratização, com o objetivo de simplificar os processos e eliminar a excessiva intervenção dos cartórios em questões que poderiam ser resolvidas de forma mais ágil e eficiente por meio da tecnologia e da desjudicialização. É importante que o Estado invista em sistemas digitais integrados, que permitam a realização de diversos serviços de forma online, reduzindo custos e tempo para os cidadãos e para as empresas. No Cartório João Crisóstomo, são inúmeros os computadores instalados para atendimento ao público. O que é ainda mais estranho é que essas máquinas ditas inteligentes não conversamos entre elas.
Além disso, é necessário promover uma maior transparência nos custos dos serviços cartorários e estabelecer mecanismos para evitar abusos e cobranças indevidas. Uma mudança na regulamentação atual, proporcionando mais agilidade com uma rigorosa e efetiva fiscalização dos cartórios podem contribuir para garantir que os preços praticados sejam justos e adequados, além disso serviços ganharem em agilidade, que é o mais importante.
Em suma, a superação da burocracia cartorária é um desafio fundamental para o desenvolvimento do Piauí. A simplificação dos processos e a redução dos custos envolvidos nas atividades cartorárias são essenciais para impulsionar a economia, promover a segurança jurídica e possibilitar o crescimento e surgimento de novos negócios. Somente com uma abordagem proativa e reformas estruturais é que será possível criar um ambiente favorável ao progresso e ao bem-estar da população piauiense.
“A desburocratização é vital para o desenvolvimento do País, especialmente de Estados como nosso Piauí, atolados no século passado em termos de agilidade tecnológica e digital. A burocracia cartorial impede o cidadão de viver melhor e progredir mais. Afinal, ainda vivemos presos a ideia de que, para ter segurança jurídica é necessário o carimbo público. Esse é o pensamento do atraso”, asseverou o presidente do MOVE/PI.
Uma coisa é certa, o Estado muito pouco tem feito pelo princípio da eficiência. A Lei da Desburocratização criada no século passado para dar agilidade na coisa pública, para desvencilhar o cidadão das amarras administrativas se tornou ineficaz.
Enquanto isso, uma forte pressão é exercida pelo lobby cartorário, e os cartórios, que deveriam exercer a função social e promover um melhor serviço ao cidadão, termina por ser reduto de privilégios de poucos e uma das fontes mais lucrativas no Brasil. Quase 500 anos depois, ainda persistem inúmeros serviços cartorários que desnecessariamente continuam a interferir na vida dos cidadãos.
Por Douglas Ferreira